Falámos com Adriano Pedrosa, o curador da 60ª Bienal de Veneza – a decorrer de 20 abril a 24 de novembro, sob o título Estrangeiros em Todos os Lugares – e que se anuncia como um recorte de inúmeras “diferenças criativas”.
Foreigners Everywhere, traduzido como Estrangeiros em Todos os Lugares, entrará na história das Bienais de Veneza como a mais inclusiva e a mais representativa exposição a abranger grupos minoritários – artistas indígenas, queer, diaspóricos –, tornando-os em participantes claramente maioritários na edição de 2024.
A curadoria de Adriano Pedrosa vai, igualmente, nessa direção: o diretor do Museu MASP de São Paulo é, de facto, o primeiro curador do sul global a ser convidado para organizar a mais antiga das bienais do mundo. “Precisávamos de dar à Mostra Internacional de Arte uma nova perspetiva, exatamente como aconteceu com a Bienal de Arquitetura de 2023, curada pela primeira vez por uma profissional vinda de África, Lesley Lokko”, declarou Roberto Cicutto, presidente cessante da Bienal, à margem do lançamento de Estrangeiros em Todos os Lugares.
“Nas mais diferentes circunstâncias, os artistas sempre viajaram, deslocando-se entre países e continentes: um fenómeno que, desde o fim do século XX, continua ampliando-se, embora as restrições sejam cada vez mais marcantes”, afirma Pedrosa.
Para construir em modos teóricos a sua Bienal, o curador escolheu como ponto de partida a curiosa etimologia da palavra “estrangeiro”. Em várias línguas latinas, a raiz comum está ligada ao termo “estranho” – strano, extraño, étrange: o insólito, o excêntrico, o incomum, sempre foi associado à ideia de forasteiro; inclusivamente, um dos significados mais antigos do termo inglês queer era precisamente strange (estranho). E eis que, a partir desse ponto, se irá desenrolar uma visão mestiça – e movediça – da arte visual, investigando igualmente os Modernismos do hemisfério meridional que, não tendo um papel de relevo na cultura euro-americana, os seus artistas foram fundamentais na construção da cultura contemporânea, entrelaçando o norte e o sul do mundo.
Por seu lado, a propósito deste assunto, os italianos diaspóricos que contribuíram para as artes na América do Sul no século passado terão grande importância na exposição de Pedrosa, como por exemplo Lina Bo Bardi, arquiteta que se tornou uma das projetistas mais poderosas do Brasil, onde criou, além do MASP, do Teatro Oficina e do SESC Pompeia, em São Paulo, também o fantástico Solar do Unhão – Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador; Anna Maria Maiolino, homenageada com o Leão de Ouro de carreira, que até agora nunca foi convidada para uma Bienal de Veneza; e Gino Severini e Filippo De Pisis, entre outros artistas históricos, que escolheram Paris como cidade adotiva para viver e trabalhar.
Dividida em dois Núcleos – um Histórico e um Contemporâneo – a Mostra Internacional apresentará um total de 332 artistas: um número que parece enorme, mas que Adriano Pedrosa contrapõe como “visualmente menor” em relação a muitas expografias que já se concretizaram em bienais anteriores: “Apesar de juntar o maior número de artistas históricos, cada um deles terá apenas uma obra, e todas caberão numa sala! A arte contemporânea será a maior presença, exposta com amplitude e por muitos trabalhos de grande formato”, contou-nos o curador, após a conferência de imprensa.
Pedrosa promete também a mais ampla presença de artistas vindos da Ásia e da África, para além dos indígenas: “O coletivo MAHKU (do Brasil) pintará a fachada inteira do Pavilhão Central, nos Giardini, e o Mataaho, grupo da Nova Zelândia, ocupará a primeira sala do Arsenale: serão duas obras monumentais. Além disso, haverá novas produções imensas: Isaac Chong Wai está trabalhando em um projeto que ocupará um salão de 20 por 20 metros; Mariana Telleria realizará mais um projeto em grande escala; Sol Calero construirá um verdadeiro pavilhão externo. Inclusive, nessa edição, haverá duas grandes instalações nas áreas verdes, no final dos Giardini, ao lado do pavilhão brasileiro”, relata Pedrosa.
A propósito, por falar no Brasil, este ano o seu pavilhão nacional mudará de nome, denominando-se Hãhãwpuá, termo indígena pelo qual os nativos costumavam apelidar as terras antes da colonização. O projeto intitulado Ka’a Pûera: Nós somos pássaros que andam focar-se-á na força e resistência dos povos originários, partindo do trabalho homónimo da artista Glicéria Tupinambá, no mesmo ano em que um dos onze mantos Tupinambá espalhados pelos museus de todo o mundo voltará ao Brasil.
Nos bastidores do Núcleo Histórico, a propósito da sua natureza, o curador confiou-nos que: “Trata-se de um projeto completamente especulativo, pois não dá mais para aceitar projetos ‘definitivos’, ‘firmes’, aliás, eu não tenho interesse nisso, prefiro o contraditório, os processos. Ora, obviamente, para fazer um Núcleo Histórico eu sempre afirmo que teria precisado de uma equipe de dez pessoas e de um tempo de cinco anos. O que estou propondo em Veneza é, claramente, um recorte”.
Um recorte que contará ainda com uma presença especial, a de Frida Kahlo. Sim, porque a “Rainha do México” nunca esteve presente numa Bienal de Veneza, embora o marido, Diego Rivera, tenha aqui sido exposto por diversas vezes.
No fundo, mais uma bienal para “macetar o apocalipse” da história considerada “reputada”.