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Al Cartio e Constance Ruth Howes de A a C
DATA
07 Jan 2019
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AUTOR
Bárbara Valentina
Há inúmeros casos de exposições em que os curadores são determinantes na criação desse momento, podendo até serem consideradas exposições de curador, tal é a intervenção que têm, seja pela escolha ou por a exposição ser um convite do próprio curador ao artista. Al Cartio…

Há inúmeros casos de exposições em que os curadores são determinantes na criação desse momento, podendo até serem consideradas exposições de curador, tal é a intervenção que têm, seja pela escolha ou por a exposição ser um convite do próprio curador ao artista.

Al Cartio e Constance Ruth Howes de A a C resulta de um convite do Museu Calouste Gulbenkian a Ana Jotta e Ricardo Valentim, para exporem como dupla no Espaço Projecto. A resposta a este convite foi a proposta de curadoria para um conjunto de obras de Al Cartio e Constance Ruth Howes. Poderíamos, então, considerar que esta exposição resulta num duplo diálogo de artistas: Al e Constance, como resultado do diálogo entre Ana e Ricardo. Só que estes artistas que assinam as obras levantam suspeitas, não fosse a obscuridade dos seus percursos.

As obras atribuídas a Constance são pequenas aguarelas edílicas de paisagens rochosas e luminosas. As obras atribuídas a Al Cartio são mosaicos inscritos com palavras que se relacionam através de uma letra ou de um tema e jogos tipográficos entre elas.

Os trabalhos de Al Cartio e de Constance Ruth Howes são completamente díspares. E, assim, o percurso expositivo torna-se um diálogo entre artistas, usando as supostas obras de dois outros, desconhecidos, ainda por cima. Cabe ao visitante acreditar que estes artistas americanos existem mesmo e não são um produto de Ana Jotta e Ricardo Valentim. Há duas obras que fogem ao dispositivo criado: uma escultura de Al Cartio, Exit C. e uma aguarela (a única obra emoldurada) de João Marques que terá sido adquirida por Constance durante a sua estadia no Algarve. São também as únicas obras presentes cuja proveniência está assinalada, o que contribui para que o visitante possa duvidar destas peças como sendo de Al Cartio e Constance Ruth Howes, a par de outras pistas que podemos encontrar dentro ou fora do Espaço Projecto, incluindo na própria imagem que acompanha o texto de apresentação no site da Gulbenkian.

A História da Arte está pejada de criações de alter egos, heterónimos e até, muitas vezes por motivos políticos ou outros, de ausência de atribuição de autoria (muitas delas foram descobertas posteriormente). Aqui há toda uma criação de persona com direito a assinatura e biografia que ultrapassa o mero heterónimo. Al Cartio e Constance Ruth Howes (que uma breve pesquisa na internet revela que nasceu em Londres em 1888 e morreu em 1970) servem o propósito dos artistas-curadores de lançar a discussão sempre pertinente (cada vez mais) acerca da autoria artística e do trabalho de um curador de arte.

A questão autoral é tão antiga como a História da Arte. Até ao século XX era muito comum os artistas terem ateliers ou oficinas onde os seus aprendizes ajudavam a produzir as obras que os mestres pensavam. Muitas vezes, esta linha entre um mestre que pensava a obra e um aprendiz que a produzia desvanecia-se e temos hoje obras-primas que sabemos não terem sido feitas nem pensadas pelo artista cuja assinatura figura na obra. Neste caso, Ana Jotta e Ricardo Valentim parecem preferir que esse debate se faça sob o tópico da curadoria. Voltando ao início deste texto: será o curador, hoje em dia, um autor? Um artista? Muitas vezes os museus convidam os curadores a criarem projetos para determinados espaços, dando-lhes assim o poder de decidir quais os artistas a convidar e até a estabelecer um tema prévio que serve de mote a esses artistas. Neste caso, o Museu Gulbenkian convidou os próprios artistas, que optaram por, criando dois tipos de obras (não sabemos como foi feita a divisão, mas podemos adivinhar) que atribuíram a Al Cartio e a Constance Ruth Howes, gerar com muito humor e inteligência, todo um enredo digno de um detetive.

Não é um embuste, é antes um convite à reflexão.

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