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Discurso de Decolonialidade
DATA
17 Ago 2020
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AUTOR
Rodrigo Fonseca
Discurso de Decolonialidade conta com trabalhos de 15 artistas de 8 países – África do Sul, Angola, Brasil, Camarões, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, República Democrática do Congo, e da Diáspora. A curadoria é de Graça Rodrigues e Sónia Ribeiro. Esta exposição explora alguns dos conceitos mais debatidos atualmente no espaço da crítica política e cultural: memória, identidade, tradição e contemporaneidade. O amplo debate do revisionismo histórico e cultural destes conceitos entrou nas Universidades pelas pessoas que sofrem várias formas de descriminação. É graças às vitimas do racismo que sabemos que a memória é tantas vezes construída, assim como é graças à comunidade LGBT que sabemos hoje que a identidade é um mosaico de complexidades, e não uma teia binária de opostos.

Discurso de Decolonialidade conta com trabalhos de 15 artistas de 8 países – África do Sul, Angola, Brasil, Camarões, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, República Democrática do Congo, e da Diáspora. A curadoria é de Graça Rodrigues e Sónia Ribeiro. Esta exposição explora alguns dos conceitos mais debatidos atualmente no espaço da crítica política e cultural: memória, identidade, tradição e contemporaneidade. O amplo debate do revisionismo histórico e cultural destes conceitos entrou nas Universidades pelas pessoas que sofrem várias formas de descriminação. É graças às vitimas do racismo que sabemos que a memória é tantas vezes construída, assim como é graças à comunidade LGBT que sabemos hoje que a identidade é um mosaico de complexidades, e não uma teia binária de opostos.

A exposição esteve patente no Not a Museum, em Lisboa, entre 24 de Junho e 31 de Julho. Este texto salienta a importância dos seus temas, analisando detalhadamente algumas das suas obras.

Em Ouvir, Ver, Calar, Nelo Teixeira deixa bem claro aquilo que está a representar n’Os três sentidos. Apresenta-nos três figuras que, antes de começarem a comunicar entre si, já nos querem dizer alguma coisa: OVIR, VER, CALAR. São representações figurativas, desenhadas por um só traço, bidimensionais, e que nos transportam para um imaginário primitivo. Cada figura tem um adereço, relativamente semelhantes entre si; na primeira vemos algo que nos remete para uma lança/fisga, na segunda para um tridente/lança, na terceira para um menir/objeto fálico. OUVIR, VER, CALAR são verbos e devem ser lidos em conjunto porque os seus significados não vivem um sem o outro: calamo-nos porque ouvimos, calamo-nos porque vimos, vimos porque ouvimos, ouvimos porque não queremos mais ver, ouvimos porque nos mandam calar. N. Teixeira reflete sobre os três sentidos sem recorrer à imagem clássica budista. Estes verbos não invocam nenhuma espiritualidade ou moral, em vez, invocam crueldade, frieza, e a complexidade daquilo que é simples.

Pilar da Vida trata-se de uma escultura. É feita através de várias técnicas, nomeadamente assemblage, collage, e pintura. Traça-nos um caminho simbólico da vida, um caminho que se faz de baixo para cima, passando por várias etapas até chegar à fase final. A escultura que está dentro do último quadrado é uma metamorfose entre um soldado e um dinossauro, evocando a dualidade do centauro: metade humano, metade dinossauro. À sua volta vemos várias pinceladas que nos sugerem que esta escultura erradia luz, que é um ser iluminado. A subjetividade desta obra expressa-se na ambiguidade desta figura – será ela um novo ser por-vir ou um ser antigo por-matar? A meio do pilar vemos uma outra escultura com uma bandeira na mão dizendo Fast Car Racing, dando-nos conta que estamos a meio de uma corrida. Esta expressão remete-nos para a velocidade da contemporaneidade e para o discurso meritocrático neoliberal predominante na política e na maneira como entendemos a vida.

René Tavares expõe na obra Memórias para curar o futuro a sabedoria das tradições autóctones de São Tomé e Príncipe. Estas pinturas oferecem-nos receitas para curar diversos males: “Ciência da terra para curar o passado – água de rio, sal, passarinho”, “Problemas raciais? Cura – banho de folha de obô”, “Remédio para curar raiva – salmo sete dias, comida pra defunto, rosa de porcelana + cigarro”. O título desta obra recorda-nos da importância que a tradição tem na cultura e na vida de um povo. O futuro (seja ele qual for) não pode virar costas à herança ancestral presente nos corpos de um determinado povo, e com esta obra, entendemos o quão importante é este conhecimento para a construção de um futuro partilhado que valoriza e cresce com a diferença – em vez de a destruir, e descriminar. Neste conjunto de pinturas, há uma que se encontra isolada das restantes: “Bring back lost lover – folha de pau três, folha de saraconta, folha malé, ovo de galinha preta.” Esta pintura está isolada das restantes porque representa um sentimento universal da humanidade: trazer de volta o amor passado.

O pintor de São Tomé e Príncipe utiliza a ironia e símbolos da cultura ocidental de modo a colocar-nos num lugar de questionamento. Deixa-nos uma perspetiva externa da cultura ocidental, algo fundamental para a compreendermos verdadeiramente. Na pintura United States of African Memories vemos a bandeira da União Europeia (UE) e doze porcos voadores em círculo. Estes porcos estão no lugar das doze estrelas da bandeira, o que nos faz questionar sobre o valor simbólico das mesmas: será a UE o lugar dos ideais de unidade, solidariedade e harmonia? Uma vez mais a ironia de R. Tavares está presente. O projeto europeu será uma utopia igual à possibilidade de vermos porcos a voar? Para as minorias étnicas, para os pobres, e para os migrantes que aqui chegam, seguramente que é. Na pintura Short stories about immigration vemos a mesma bandeira, mas desta vez pintada de preto. Constatamos uma vez mais a presença do porco com asas. Tal como o título sugere, este porco representa o sonho de alcançar uma vida melhor na UE. No entanto, muitos destes sonhos acabam afogados no Mar Mediterrâneo, ou suspensos ad aeternum num campo de refugiados. Mais, representa a desgraça e a desilusão daqueles que foram forçados a viver em guetos e que nunca encontraram na UE os valores da igualdade e da solidariedade que a elite branca europeia continua falsamente a pregar.

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