Na exposição patente na Galeria Madragoa, Gonçalo Preto apresenta um conjunto de pinturas imersas num negro quase absoluto que recorta, com grande subtileza, as figuras: autênticos pontos de luz que iluminam a noite de Middle Finger Pedestrians.
É justamente a noite que oculta parte das imagens vagamente cinematográficas, descontextualizando-as e inviabilizando a sua possível leitura narrativa. Do mesmo modo, sempre que o sol se põe as coisas visíveis tornam-se dúbias, são envoltas num misticismo inerente à escuridão. No entanto, nas pinturas de Gonçalo Preto a luz sobre a noite lançada revela um universo fragmentado, composto por signos comprimidos pelo vazio que os cerca. Na obra LUNAR, a árvore não tem sítio, não está restrita a nenhum contexto, é do próprio chão da galeria que ela emerge. Pode até dizer-se que já nem é uma árvore, é antes uma superfície luminosa que de tão densa perde o significado: deixa de ser uma árvore para se tornar forma única, irrepetível. De facto, o conjunto de obras, que sugere a errância de um passeio noturno, estabelece internamente uma relação silenciosa, sem linguagem, através de estímulos imagéticos.
A pintura de Gonçalo Preto acentua nesta exposição a proximidade com o mecanismo da fotografia, mais precisamente, com a lógica do disparo. As imagens assumem-se enquanto capturas instantâneas sobre uma realidade. Daí a ideia de snapshot – um piscar de olhos, nas palavras de Rui Gueifão, autor do texto da exposição -, um flash sobre a noite, que sobreexpõe os corpos e os objectos, iluminando-os; ou tornando-os luminosos. Mas que não mais nos permitirá se não um acesso bastante limitado à ação, pois nada mais existe para lá da penumbra. O disparo de um flash é um gesto momentaneamente violento, que revela apenas as superfícies que interrompem a sua progressão, reflectindo mais ou menos o clarão lançado. No entanto, a peculiaridade destas pinturas é que o paralelismo com a linguagem da fotografia termina aí, pois no que à figuração diz respeito, a sua verosimilhança esgota-se num olhar demorado. Em Morcego ou Macaco?, a mão mordida pelo animal quase não tem textura, e a sua brancura reluzente faz com que se pareça mais com uma luva ou com uma prótese, do que com uma mão humana. Em Artéria, o peito de um pombo morto, pousado no soalho do andar de cima da galeria, é representado através de um impasto que, ao contrário de mimetizar, artificializa. O jovem artista ficciona uma realidade que, apesar da sua aparente familiaridade, não é a nossa, é outra completamente artificial, sobretudo por meio da técnica da Pintura.
A arte é por excelência o lugar da noite (da fantasia, do inexplicável), que à semelhança da noite natural, tanto é tenebrosa como fascinante. Gonçalo Preto, em Middle Finger Pedestrians, propõe-nos um “passeio” por ambas as dimensões em simultâneo – daí que a configuração do espaço e a sua iluminação pareçam desajustadas às pinturas dominadas pelo negro, dificultando a sua visualização.
Em Portugal, a pintura de Gonçalo Preto ocupa um lugar que é estranho, fruto da união entre o virtuosismo técnico, vindo da tradição, e a sua consequente subversão, em favor do artificialismo – nessa medida com pontos de contacto com a obra de Gil Heitor Cortesão. A exposição corrobora a singularidade da obra do jovem pintor, que, até pelo tempo do fazer da pintura, propõe o desacelaramento. Algo oposto à velocidade vertiginosa da época.
Middle Finger Pedestrians pode ser visitada até 11 de janeiro, na Galeria Madragoa.