article
Modo de uso, de Claire de Santa Coloma
DATA
20 Fev 2020
PARTILHAR
AUTOR
Bárbara Valentina
A escultura nasceu pública, entre a arquitetura e o ornamento: “the smaller the object the closer one approaches it and, therefore, it has correspondingly less of a spatial field in which to exist for the viewer.”[i] Na Galeria 3+1, Modo de uso, de Claire de…

A escultura nasceu pública, entre a arquitetura e o ornamento: “the smaller the object the closer one approaches it and, therefore, it has correspondingly less of a spatial field in which to exist for the viewer.”[i] Na Galeria 3+1, Modo de uso, de Claire de Santa Coloma, é um percurso estabelecido por nove peças, mas é também uma viagem íntima em que a artista nos pede para que nos relacionemos com as peças expostas. Claire transporta-nos de volta a um tempo em que, tal como as crianças, nos relacionamos fisicamente com os materiais resultantes da natureza, nomeadamente os diferentes tipos de madeira. Mas, ao mesmo tempo, obriga-nos a questionarmo-nos acerca das relações que estabelecemos com as peças e de que forma os nossos sentidos interferem nesse processo.

E ao mesmo tempo que o trabalho sobre a madeira nos remete para a fisicalidade e manualidade do trabalho de escultor, há em Claire um processo de conceptualização que não pode ser destrinçado desse trabalho manual. Em Modo de uso, a folha de sala é, afinal, um manual de instruções que nos acompanha no percurso, mas com uma advertência: “Não é obrigatória a sua leitura nem o seu cumprimento. Pode observar outros visitantes que estejam familiarizados com o manual e seguir o exemplo. Pode também ignorá-lo por completo e relacionar-se com as obras como bem entender.” responsabilizando, assim, o visitante pelo tipo de fruição mais ou menos satisfatória que poderá ter da exposição.

Há, portanto, tudo isto na 3+1. Peças em que podemos tocar, cheirar ou até usar, e um manual bilingue com instruções acompanhadas por desenhos, algumas para o visitante outras para o galerista ou o comprador da obra e ainda sobre como reciclar uma peça que se tenha adquirido e já não se queira.

Este discurso permite-nos refletir sobre o lugar da obra de arte e sobre a forma como nos relacionamos com museus e galerias (será que num museu esta exposição poderia ser pensada da mesma forma?) e com as obras expostas, que no caso da escultura, estão normalmente vedadas ao toque do visitante. Até o título remete para uma desconstrução do que é a fruição habitual de uma obra de arte escultórica: para ver, não para tocar e muito menos para usar. Aqui, a artista dá-nos essa oportunidade de poder tocar numa obra de arte e, através das suas qualidades tácteis torna-a até irresistível.

Logo no início, duas peças lançam o mote para o tato: Enter (CSC176) (2020), e Absorb (CSC177) (2020), respetivamente de carvalho francês sem polimento e de Azinheira polida, que nos permitem, entre outras coisas a fruição bravia de um tronco onde quase podemos sentir as farpas e o cheiro da terra e uma peça de azinheira polida e tratada, com acabamento envernizado, suave ao toque e sem odor. Recline and release (CSC182) (2020) é a última obra do manual e do percurso expositivo e vai mais longe ao incluir um tapete onde duas peças estabelecem um diálogo que permite ao visitante sentar-se reclinado, descalço (condição essencial para aceder à obra), sentindo o fofo da alcatifa debaixo dos pés, enquanto se recosta em peças que não sendo fofas, também não apresentam rugosidades relevantes.

Modo de uso continua e amplia um trabalho que tem sido desenvolvido por Claire de Santa Coloma de quase mapeamento de um material como a madeira (que já vimos em Chuva na Galeria Appleton Square) e que aqui se expande para o domínio da utilização e da perda de um certo hieratismo artístico da escultura, na relação direta com o fruidor da obra. Claire de Santa Coloma retira a obra de arte do pódio e do lugar sério, contemplativo e intocável e acrescenta-lhe fruição física e humor sem, contudo, adulterar o carácter conceptual e artístico da própria obra. Permite-nos de alguma forma usar as obras, sem que deixem de ser esculturas, e isto torna-se óbvio numa peça como Reflect (CSC181) (2020), uma cadeira onde não é possível sentarmo-nos embora nos seja feito o convite. Assim, a escultura na sua qualidade estática e imutável, passa a compor uma instalação onde a fruição física efetiva conforma uma qualidade da própria obra.

 

[i] Art in Theory 1900-2000. An anthology of Changing Ideas, ed. Charles Harrison & Paul Wood, Oxford, Blackwell Publishing, 1992, p.831

 

PUBLICIDADE
Anterior
article
Solilóquio, Mariana Gomes na Cristina Guerra Contemporary Art
20 Fev 2020
Solilóquio, Mariana Gomes na Cristina Guerra Contemporary Art
Por Francisco Correia
Próximo
article
JUSTMAD 2020
24 Fev 2020
JUSTMAD 2020
Por Umbigo