Ícone, em sentido figurado, significa algo ou alguém que se distingue ou simboliza determinada época, cultura ou área do conhecimento. Porém, quem marca o tempo de hoje, época das redes sociais e dos seus fracos ídolos, cujas vidas virtuais são tão longas quanto um sopro? Como identificar os ícones da nossa modernidade, bem mais do que líquida, entre biliões de imagens quotidianas que se vertem, desordenadas, pela internet?
Coincidente com a Bienal de Arquitetura de Veneza, a exposição Icônes, comissariada por Emma Lavigne, CEO da Coleção Pinault, e Bruno Racine, diretor do Palazzo Grassi, a decorrer na Punta della Dogana – sede da Coleção Pinault – procura responder a essas questões, mostrando obras que fazem parte da história da arte contemporânea global.
Sendo, todavia, muito difícil enquadrar os ícones em grupos específicos ou dentro de correntes determinadas, esta exposição, que inclui mais de oitenta obras, revela-se como umacuriosa constelação, elegante e rarefeita, de obras-primas que ultrapassam estilos e épocas.
Icônes abre-se com o movimento do Spazialismo, representado por Lucio Fontana e o seu Concetto Spaziale (1958), bem ao lado da lindíssima Ttéia 1 (2003) de Lygia Pape. Encontra-se o tempo que passa pelos quadros-datas de On Kawara, e ao entrar-se no templo dedicado às sequências numéricas de Roman Opalka percebe-se a potência do pensamento do infinito: o artista pintou a sua vida inteira, desde 1965, números decorrentes em todos os gradientes de azul, cinzento e branco.
Com as suas pequenas esculturas construídas com velas coloridas, Chen Zhen conecta a ideia de arquitetura tradicional à religião; essas frágeis construções representam casas típicas da China e foram criadas na década de 1990, lembrando-nos também a tradição universal de queimar candeias em honra dos deuses. Por fim, chegamos às experiências abstratas de branco sobre branco de Robert Ryman: o artista americano usou ao longo da sua carreira uma enorme variedade de suportes e meios como um desafio para superar os limites da pintura e da arte conceptual.
Inúmeros poderiam ser os exemplos de obras em diálogo com o tema “icónico” da exposição, mas há pelo menos um ponto que não pode deixar de ser referido: o lugar especial onde esta exposição acontece. A curadora Bice Curiger descreve Veneza, no seu texto, como a cidade mais icónica de todas as cidades europeias; fonte de sonhos, o seu presente permanece alheio aos problemas que afetam a maioria das metrópoles do mundo. Por isso, Veneza continua a constituir um ícone global, cuja imagem se replica em cada canto do mundo para simular um pouco da sua magia.
Assim, nada há de melhor do que passear de ícone em ícone, mantendo o silêncio que se reserva para as ocasiões especiais, para as coisas sagradas.
O filósofo e padre russo Pavel Florenskji escreveu que, nos ícones, é suposta a presença de Deus: eles colocam-se ao lado dele como um guia para alcançá-lo.
E eis que os ícones da Fundação Pinault, mesmo sendo profanos no sentido mais elevado do termo, nos ajudam a encontrar aquela sacralidade transcendental que sempre se sente perante as obras que vão além da História, transformando-as em imagens (quase) veneráveis.
Para lá da moda e longe do passar do tempo, percorrer as salas de Punta della Dogana – entre as mortalhas de Dahn Vo (Christmas-Rome, 2012-13) e o Papa atingido pelo meteorito de Maurizio Cattelan (La nona ora, 1999) – é quase completar uma peregrinação de fé, observando o mundo como se fosse um caleidoscópio onde as imagens-ícones da carne e do espírito, da tradição e da vanguarda, da natureza e da cultura humana, simplesmente, se elevam até um ponto altíssimo. E indeterminado.
A exposição Icônes, está patente na Punta della Dogana até 26 de novembro.