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Síncrono | do registro ao fluxo, de Flávio Rodrigues na Rua das Gaivotas 6
DATA
08 Abr 2022
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AUTOR
Rodrigo Fonseca
Síncrono | do registro ao fluxo coloca em relação o desenho (registo) e a performance (corpo).

Síncrono | do registro ao fluxo coloca em relação o desenho (registo) e a performance (corpo). Todas as ações desta performance levam à construção de um objeto ou composição. A performatividade do corpo submete-se à materialidade e às potencialidades dos mesmos: tudo aqui é desenho. A criação e interpretação são de Flávio Rodrigues, o acompanhamento gestual/movimentação de Bruno Senune, a coprodução da ADA Gallery e Arte Total e conta ainda com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. Síncrono | do registro ao fluxo foi apresentada entre os dias 24 e 26 de março na Rua das Gaivotas 6.

 O objeto artístico que nos é apresentado vive sob constante ativação do performer. Os seus movimentos geram sempre um gesto. Os gestos de Flávio Rodrigues nascem sempre da relação com um determinado objeto colocando um novo devir ou potência no objeto com que se relaciona. A lista dos objectos utilizados é muito variada: areia pigmentada, um fio de renda, bocados de tecido pigmentados, restos de papel, arame, restos de madeira que sobraram da oficina do seu pai.

A coreografia está submetida à matéria e aos materiais. Pegando nas palavras do performer, os objetos com que nos presenteia são de “carácter não extrativista, reciclagens, oferendas, recolha e respigação em processos de deriva.” As qualidades destes objetos são fundamentais para esta peça. A performatividade que é invocada vem daqui e não propriamente do movimento ou da coreografia. Diria que a performatividade desta peça tem algo de escultórico.

O artista menciona que a performance e os “dispositivos arquitetados” (por outras palavras, a coreografia) manifestam-se como “códices” ou “ações ritualísticas.” Uma vez mais a palavra ritual e as ações ritualísticas são tema de abordagem por parte das artes performativas. Esta tendência vem sendo recorrente um pouco por todo o lado. As artes performativas têm vindo a utilizar o oculto, a magia e a espiritualidade como parte do seu objeto artístico, seja ao nível conceptual ou de movimento. Vejamos as pesquisas de Artaud, Grotowski, The Living Theatre e dos trabalhos recentes de artistas como Mariana Tegner Barros, Mark Tompkins e Meg Stuart. A palavra ritual é muitas vezes mencionada de forma enviesada ou no mínimo descontextualizada. O ritual ou ações ritualizadas não deveriam ser invocadas gratuitamente, dito isto, não significa que esta performance seja gratuita: não é. Quero apenas sublinhar que estamos a falar de áreas de conhecimento concretas que não podem ser abordadas fora da sua ontologia. Não podemos ter a presunção de que realizar uma ação com uma certa intenção é por si só algo ritualístico.

O cuidado e a atenção dos gestos do performer estimulam o espectador, a quem chama de “frequência”. A demora do seu movimento e os intervalos temporais por ele proporcionados incentivam a curiosidade do espectador. A analogia do espectador como frequência é bastante feliz. Se pensarmos o espaço performativo como um lugar efémero, fora do tempo comum que se ativa através de pressupostos muito singulares e particulares, podemos também imaginar que as frequências (os espectadores) presentes na sala são o alimento da atmosfera que se está a criar. Flávio Rodrigues ativa o espaço performativo de Síncrono | do registro ao fluxo logo no início da ação ao bater com uma vara (ou um pau) num cilindro de cartão. Percorre o perímetro da sala com este gesto manipulando as intensidades e ressonâncias do som. A repetição da batida, o loop, ativa os nossos sentidos deixando-nos num estado mais atento. Nas palavras do criador, o tempo desta performance “é presença viva, mutável e cósmica”. As suas ondas são espiraladas e não correspondem ao mundo da velocidade ou das linhas retas.

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