article
Uma Dança das Florestas, de Wole Soyinka
DATA
28 Jan 2022
PARTILHAR
AUTOR
Rodrigo Fonseca
Uma Dança das Florestas esteve em cena no Teatro São Luiz entre os dias 14 e 23 de janeiro. A encenação e dramaturgia é de Zia Soares, a interpretação de Ana Valentim, Claúdio da Silva, Gio Lourenço, Júlio Mesquita, Matamba Joaquim, Miguel Sermão, Rita Cruz…

Uma Dança das Florestas esteve em cena no Teatro São Luiz entre os dias 14 e 23 de janeiro. A encenação e dramaturgia é de Zia Soares, a interpretação de Ana Valentim, Claúdio da Silva, Gio Lourenço, Júlio Mesquita, Matamba Joaquim, Miguel Sermão, Rita Cruz e Vera Cruz. O cenário, figurino e design gráfico são de Neusa Trovoada. A música de Xullaji, o design de luz de Jorge Ribeiro, e a assistência à encenação e movimento de Vânia Doutel Vaz. A produção executiva é de Aoaní d’Alva e a coprodução do Teatro São Luiz e Teatro Griot. Este espetáculo demonstra aquilo que é e aquilo que foi, coloca em questão a nossa perceção do tempo e deixa naqueles que o vêm um sentimento de ambiguidade. Promove uma autorreflexão política e uma reflexão histórica: para onde caminhamos? Estaremos nós a reproduzir os mecanismos de violência e subordinação que deveríamos de uma vez por todas aniquilar?

O Morto e a A Morta, protagonistas desta peça, trazem consigo as feridas de um outro tempo, confrontam os seus carrascos num estranho ritual de morte, expiação, desobediência e renascimento. O tempo aqui é flutuante, ou seja, não é linear, não se rege segundo uma lógica de passado, presente e futuro. Tal como refere a sinopse da peça, quanto mais se avança na ação mais se recua no tempo. As personagens que vivem neste mundo representam a pré-história, a pré-invasão, as pilhagens, a liberdade que não chega, mas que está porvir, o desejo de independência e a sua ancestralidade. A sua condição é híbrida, confunde-se entre a divindade e o humano. O divino materializa-se com a Floresta e é a ela que recorrem sempre que há dúvidas ou vontade de ver nascer algo novo. É à Floresta que rezam e é nela que colocam os seus desejos de futuro.

A identidade não é algo estanque, tal como fica demonstrado nesta peça. Somos várias coisas ao mesmo tempo, quase sempre contraditórias e incoerentes. O passado leva-nos a ser de uma maneira, e no minuto a seguir, o futuro leva-nos (ou deveria levar-nos) a ser algo completamente diferente. A atmosfera desta peça é densa e dramática. Os corpos em cena são pesados e transpiram uma tensão constante. O figurino vai ao encontro desta ideia, ao passo que o minimalismo do cenário dá leveza à cena. O movimento dos corpos é frenético e subtil, há um balanço constante de um para o outro ao longo do espetáculo. Todos os gestos são muito precisos, a qualidade do movimento e do gesto está muito bem trabalhada. Apesar de estarmos a falar de uma peça de teatro, a coreografia é aqui fundamental e um importante auxiliar de imaginação para o espectador. A música, tal como a luz, estão maravilhosas e são no meu ponto de vista os aspetos mais bem conseguidos. Correspondem de forma brilhante à aura do texto de Wole Soyinka e às qualidades dramáticas do espetáculo.

O esoterismo e o sobrenatural dominam o texto de Wole Soyinka. Este texto dá-nos a conhecer várias camadas de realidade que, para quem é branco europeu (como eu), são distantes e desconhecidas. São, no entanto, uma tentativa de aproximação ao outro, ao outro como foi e como é, um estímulo que visa um olhar de respeito despojado de fetichismo e exotismo. A narrativa e o discurso desta peça são complexos. Tal como escreveu Rui Monteiro, são um osso duro de roer. Não tenho dúvidas que essa característica dificulte a compreensão do assunto de quem assistiu à peça, mas infelizmente essa não é a única razão. Não obstante os problemas técnicos ao nível do som ocorridos na estreia, a dicção do elenco de interpretes não estava bem trabalhada. Não foi claro nem percetível muitas partes do texto, dificultando a compreensão do espetáculo na sua totalidade. A dramaturgia de Zia Soares juntou outros textos ao original de Wole Soyinka sem, contudo, clarificar o objeto. Este tipo de texto pedia uma contextualização que não foi feita.

PUBLICIDADE
Anterior
article
Entre as Palavras e os Silêncios: Obras da Coleção Norlinda e José Lima
28 Jan 2022
Entre as Palavras e os Silêncios: Obras da Coleção Norlinda e José Lima
Por Miguel Pinto
Próximo
article
Just My Imagination: Zanele Muholi e Ayogu Kingsley no HANGAR
28 Jan 2022
Just My Imagination: Zanele Muholi e Ayogu Kingsley no HANGAR
Por Laurinda Branquinho