article
Uma visita à “Escola do Porto Santo: uma obra de Raúl Chorão Ramalho”
DATA
23 Mai 2023
PARTILHAR
AUTOR
Joana Duarte
A escola primária do Porto Santo, da autoria do arquiteto Raúl Chorão Ramalho (1914-2002), foi construída nos anos 60, e a sua qualidade arquitetónica tornou-a um marco histórico, tendo recentemente sido considerada património de interesse público. O seu edifício é o resultado de um estudo profundo da ilha por parte do arquitecto, conjugando a linguagem e valores da arquitetura moderna com os materiais, métodos construtivos e características da arquitetura vernacular local.

A escola primária do Porto Santo, da autoria do arquiteto Raúl Chorão Ramalho (1914-2002), foi construída nos anos 60, e a sua qualidade arquitetónica tornou-a um marco histórico, tendo recentemente sido considerada património de interesse público. O seu edifício é o resultado de um estudo profundo da ilha por parte do arquitecto, conjugando a linguagem e valores da arquitetura moderna com os materiais, métodos construtivos e características da arquitetura vernacular local.

Desde 14 de Março que é possível experienciar este lugar através da exposição Escola do Porto Santo: uma obra de Raúl Chorão Ramalho, com curadoria de Madalena Vidigal e Diogo Amaro, no Centro de Arquitectura/Garagem Sul do Centro Cultural de Belém em Lisboa.

A escola esteve em funcionamento entre 1968 e 2018 e este projeto de investigação, que acabou por culminar numa exposição, iniciou-se em 2019, quando a escola foi cedida à Porta 33, tendo sido convocado um encontro com o intuito de debater o que iria acontecer naquele lugar, no qual a curadora Madalena Vidigal esteve presente. A partir deste momento iniciou uma investigação acerca do edifício da escola, dada a sua importância histórica e o seu autor.

No final de 2020, houve a capacidade de avançar com umas pequenas obras de remodelação dos espaços, altura em que Madalena Vigidal convidou o Arquiteto Diogo Amaro para desenvolver em conjunto com ela a investigação e reflexão que havia começado numa perspetiva de intervir no edifício. Esta exposição é o resultado dessa reflexão e foi a primeira vez exposta na própria escola no Porto Santo em 2021.

Perante a oportunidade de trazer a exposição para Lisboa, a mesma seria deslocada do seu contexto e, portanto, teria que ser repensada. Neste sentido, os curadores optaram por dividi-la em três partes, Ambiente, Matéria e Arquitetura, partindo de uma escala territorial até à escala doméstica do espaço habitado.

No grande mapa histórico colocado à entrada da exposição, é possível ler o território da ilha que se apresenta bastante árido e seco devido à escassez de chuva que se verifica ao longo de praticamente todo o ano, tendo-se inclusivamente extinguido muitos cursos de rios. A sua topografia maioritariamente plana torna-o também bastante exposto aos ventos marítimos. O edifício dá resposta às condições climáticas extremas do lugar, contribuindo para a fixação de população naquele ambiente inóspito.

Os estudos solares desenhados à mão, que acompanham o grande mapa, são reveladores da procura do arquiteto em “agarrar” o edifício ao território, definindo a melhor orientação para as suas fachadas e determinando os sistemas de sombreamento necessários a um eficiente comportamento térmico do edifício. As palas e tapa-sóis que desenha nas fachadas mais expostas aos raios solares completam estes estudos. Por outro lado, os pátios que coloca em frente a cada uma das salas de aula procuram conter os ventos a que o edifício está exposto e criar lugares de estadia exteriores protegidos das intempéries, estendendo o interior para o exterior. Todos os espaços interiores e exteriores são dimensionados, desenhados e articulados de modo a cumprirem os critérios de conforto mais favoráveis possível tendo em conta o bem-estar dos utilizadores.

Apesar de a escola ter sido inicialmente pensada para um lugar distinto do onde hoje se implanta, para “a zona central da vila”, o seu desenho modular manteve-se praticamente inalterado, demonstrando a flexibilidade e adaptabilidade da solução arquitetónica.

Durante a construção, enfrentaram-se os desafios de construir numa ilha, lugar onde existem grandes restrições operativas e de recursos que influenciaram e foram mesmo definidoras das arquiteturas insulares, nomeadamente ao nível dos materiais e técnicas de construção. A escola do Porto Santo, tratando-se de um edifício moderno, utiliza o betão na sua base construtiva e adota uma linguagem moderna, sem, no entanto, descurar os materiais e recursos da ilha.

As cinco fotografias da autoria de Duarte Belo, são o resultado de uma residência que o artista efetuou na própria escola, e registam vários materiais existentes na ilha utilizados no edifício – a areia, que serve de inerte na constituição do betão conferindo-lhe uma cor própria e está também presente no pavimento exterior da escola; a cal, que constitui uma das maiores, entre as poucas, indústrias do Porto Santo e é utilizada no acabamento das paredes em blocos de betão; o basalto, visível nos pavimentos em “calçada madeirense”; o traquito, rocha vulcânica porosa, de cor cinzenta-clara, a chamada Pedra Branca do Porto Santo, que é utilizada nas ombreiras e elementos resistentes do edifício; a bentonite, argila, que é normalmente utilizada na construção de coberturas, denominadas localmente como “coberturas de salão”,  foi o material inicialmente escolhido por Raúl Chorão Ramalho para as coberturas da escola.

Trata-se de uma obra que abraça o desafio de se constituir escola, revelando grande experimentação tipológica e construtiva, tendo por base quer o contexto da arquitetura internacional da época, quer o contexto e a realidade local da envolvente insular. “A Escola da Vila é um testemunho do modo como a arquitetura pode, simultaneamente, ser inovadora e celebrar os valores culturais de um lugar. Esse equilíbrio é tanto necessário quanto difícil de preservar, num momento em que a dimensão global do nosso quotidiano nos faz perder de vista a ligação aos valores que nos definem e em que se assiste à homogeneização e empobrecimento da arquitetura nas cidades e paisagens em que habitamos” lê-se na brochura que acompanha a exposição.

A escola do Porto Santo, da autoria do arquiteto Raúl Chorão Ramalho, é hoje parte integrante da memória e identidade da comunidade Portosantense, tendo durante muitos anos sido a única escola primária da ilha. O vídeo de Francisco Janes, concebido especificamente para a exposição, encerra-a, documentando vários ambientes dos espaços da escola intercalados com ambientes da ilha do Porto Santo, permitindo uma experiência à distância do edifício e da sua envolvente.

Para quem não se possa deslocar à ilha para uma visita, poderá dirigir-se ao Centro de Arquitectura/Garagem Sul do Centro Cultural de Belém em Lisboa até ao dia 10 de Setembro 2023 para experienciar os espaços desta escola, através da exposição Escola do Porto Santo: uma obra de Raúl Chorão Ramalho, com curadoria de Madalena Vidigal e Diogo Amaro.

BIOGRAFIA
Joana Duarte (Lisboa, 1988), arquiteta e curadora, vive e trabalha em Lisboa. Concluiu o mestrado integrado em arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa em 2011, frequentou a Technical University of Eindhoven na Holanda e efetuou o estágio profissional em Xangai, China. Colaborou com vários arquitetos e artistas nacionais e internacionais desenvolvendo uma prática entre arquitetura e arte. Em 2018, funda atelier próprio, conclui a pós-graduação em curadoria de arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e começa a colaborar com a revista Umbigo.
PUBLICIDADE
Anterior
article
Pose @ CACC
22 Mai 2023
Pose @ CACC
Por Mafalda Teixeira
Próximo
article
Pedras Frágeis de Raqqa por Maria Trabulo, na Galeria Presença
24 Mai 2023
Pedras Frágeis de Raqqa por Maria Trabulo, na Galeria Presença
Por Constança Babo