Zéro de conduite é a primeira exposição comissariada por João Ribas enquanto diretor do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, onde realiza exposições desde 2014. Nesta manifesta-se o seu conhecimento profundo não só da arte contemporânea e das suas várias vertentes, a nível nacional e internacional, como da própria instituição. Ficam, assim, expressos o olhar e o pensamento desafiantes de João Ribas, com a colaboração do reconhecido diretor-adjunto Ricardo Nicolau e da curadora Paula Braga, duas vozes da casa. A presente mostra é marcante e revela como a equipa está direcionada para o futuro, procurando prolongar e alargar o impacto e a importância de Serralves.
A heterogeneidade visual, formal, material e plástica que se encontra na exposição é proporcional à pluralidade autoral das obras, que, de várias gerações e nacionalidades, é representativa da extensão e da qualidade da coleção do museu. Entre os inúmeros artistas, podem destacar-se nomes incontornáveis como Christian Boltanski e Marcel Broodthaers ou, a nível nacional, António Sena e Manoel de Oliveira, deste último expondo-se imagens do reconhecido filme Aniki-Bóbó (1942). Entre as obras mais conhecidas, tais como I will Not Make Any More Boring Art (1971) de John Baldessari, e outras das quais ainda há muito por descobrir, contam-se setenta artistas contemporâneos.
Tal como os jovens estudantes do filme Zéro de conduite (1933) de Jean Vigo, as peças que compõem a exposição assumem-se contra as regras impostas pelos sistemas, neste caso, políticos e sociais, enunciando inúmeras problemáticas e opressões que resultam desses contextos e convenções. Expõem-se manifestações contra o racismo e o sexismo de modo evidente, caso da peça das Guerrila Girls, e, de forma mais ambígua, como a obra que recebe o público no hall do museu, assinada por João Onofre, ao marcar a inauguração com uma performance interpretada pela banda de heavy-metal Holocausto Canibal.
Também o espaço público e o quotidiano foram domínios centrais no desenvolvimento da exposição, referidos como lugares de resistência ou de vulnerabilidade à gentrificação e à violência da atualidade. Isso encontra-se evocado, desde logo, através de uma instalação que interpela o espectador, Rimbaud’s Spell, de João Louro. Intensa e violenta, a simulação de um acidente de carro preenche a primeira sala com uma força estética que é tanto física quanto conceptual, ao convocar a mobilidade, a velocidade e o colapso da vida contemporânea.
A exposição ecoa o tempo presente e questiona os vários tipos de poderes e autoridades dominantes, tanto políticos como sociais, morais, éticos, religiosos, estéticos, comportamentais, sexuais e económicos. Relativamente aos últimos, é inevitável destacar a obra de Antoni Muntadas, um tapete representativo da bandeira europeia (The CEE Project, 1989-1998) que questiona as relações na Comunidade Económica Europeia, frequentemente conduzidas mediante objetivos condenáveis.
Paralelamente, pode compreender-se um idêntico caráter ativista na própria dinâmica da prática da curadoria. Zéro de conduite questiona as “condutas” ou práticas das instituições culturais, através de uma distribuição e conjugação irreverentes das obras no espaço, desconfigurando os conceitos expositivos estabelecidos e as suas regras e convenções. Erguem-se estruturas de ferro que, tais como celas, aprisionam as obras e convidam o espectador a se relacionar com elas nesse singular e inusitado contexto. Apresenta-se uma pintura (Sem título, 2014) pseudokitsch de Josh Smith, suspensa do tecto, propondo novos modos de observar e experienciar a arte, mesmo a expressão artística primordial que é, habitualmente, exposta nas paredes.
A procura de inúmeras e variadas formas de ocupar e dinamizar os museus através da construção de múltiplas dinâmicas e situações para o público é anunciada já na entrada da exposição, através do vídeo de Mario Garcia Torres, A Brief History of Jimmie Johnson’s Legacy (2007), concebido a partir do filme de Jean-Luc Godard, Band à Part (1964). Sugerindo a ideia de percorrer o Louvre velozmente e de modo displicente, a obra banaliza a visita a um dos maiores museus do mundo e problematiza o que significa ver arte, o que é a experiência do espectador e qual o contacto deste último com os objetos que lhe são apresentados.
Zéro de conduite é uma exposição que subverte as concepções do objeto do quotidiano, da obra de arte e da prática da curadoria, propondo novos discursos e linguagens através de uma forma de criação que se rege pela falta (ou falha) de conduta ou de comportamento. O “bem feito” e o “bom gosto” são conceitos que, aqui, não se aplicam e que são, inclusivamente, contrariados, resultando numa exposição única e imperdível.