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A Partir do Surrealismo – Na Coleção Millennium BCP
DATA
30 Nov 2017
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AUTOR
Rui Almeida
Comissariada por Raquel Henriques da Silva, a exposição representa uma, de entre outras, louvável iniciativa desta instituição em dar a conhecer publicamente as obras da sua coleção. Tendo em conta as caraterísticas da coleção (falta de continuidade e sistematicidade), a comissária optou por uma seleção…

Comissariada por Raquel Henriques da Silva, a exposição representa uma, de entre outras, louvável iniciativa desta instituição em dar a conhecer publicamente as obras da sua coleção. Tendo em conta as caraterísticas da coleção (falta de continuidade e sistematicidade), a comissária optou por uma seleção de obras de artistas que, de forma direta e/ou indireta trilharam os caminhos do universo imaginativo e onírico que caracterizou este movimento artístico “inaugurado” pelo seu grande mentor André Breton, no ano de 1921.

A especificidade do Surrealismo português – inaugurado em meados dos anos 40 do século XX – não representa um atraso, como defendem alguns historiadores de arte, mas sim, reflete as condições políticas e culturais de um período histórico português.

Em Portugal, a partir dos anos 40 do século XX, a par da oposição política que se faz sentir contra o regime de Salazar, a “política de espírito” orientada por António Ferro, à frente do SPN (Secretariado de Propaganda Nacional), começa a ser contestada pela comunidade artística portuguesa. A política oficial artística protelava, em grande parte, a chegada dos ecos das vanguardas europeias. Não obstante, as revistas de caráter artístico e literário, como a Presença e Seara Nova, e as viagens de alguns artistas a Paris, potenciaram as novas experiências e opções estéticas que passaram a vigorar na arte portuguesa a partir de meados dos anos 40. Essas experiências emanam da necessidade de recriação de novas imagéticas, através da exploração de novos meios de expressão plástica, incluindo, entre outras, a fragmentação, a sobreposição de estilos e a interdisciplinaridade.

O expressionismo e o abstracionismo constituem na sua génese uma oposição ao realismo social até aí vigente. Os artistas sentem necessidade de agir, de modificar, recorrendo, para o efeito, a todas as áreas do conhecimento humano. É a vontade da ação política com a arte.

Como Rui Mário Gonçalves caraterizou no livro Pintura e Escultura em Portugal – 1940 – 1980 “A geração dos anos 40 introduziu na modernidade a consciência historicismo. Intrinsecamente, pela consciência da transformação das linguagens através das propostas vanguardistas; e consequentemente, pela compreensão das aspirações do homem contemporâneo”.

A arte ao “serviço da política”, que grosso modo caraterizava o neorrealismo, não fixou, em termos temporais, muitos artistas da época, pelo que, em 1947, o surrealismo parecia responder às preocupações estéticas e ideológicas no seio de parte da comunidade artística portuguesa.

As divergências, a falta de coesão e a incapacidade de ação coletiva quer do “Grupo Surrealista de Lisboa” – O’Neill, Dacosta, António Pedro, Fernando de Azevedo, João Moniz Pereira, José Augusto-França e Vespeira – , quer do grupo dissidente “Os Surrealistas”  – Cruzeiro Seixas, Henrique Risques Pereira, Mário Henrique Leiria, António Maria Lisboa, Pedro Oom, Mário Cesariny, Carlos Eurico da Costa e Fernando Alves dos Santos – cedo levaram à desagregação de qualquer um deles.

Apesar de não se poderem inscrever no Surrealismo histórico, as obras de Paula Rego e Graça Morais são caracterizadas por uma imagética onírica, “desorganizada” e “caótica” que remete para o automatismo surrealista. Paula Rego, aliás, apesar de declinar o surrealismo na sua obra, assume a sua influência, do ponto de vista estético, no início da sua atividade artística, nomeadamente, no conjunto de colagens e desenhos que apresentou na Galeria São Mamede, em abril de 1971, numa exposição intitulada Paula Rego expõe, na qual apresentou a colagem que integra esta mostra “O Lenço dos Amores”.

Com exceção de Mário Cesariny e Cruzeiro Seixas, que nunca abandonaram os princípios da “liberdade total” (pessoal e artística), fiéis aos princípios de Breton, todos os outros seguiram “caminhos” diferentes. Não obstante, as obras apresentadas e os artistas representados, como Carlos Calvet, Eduardo Luís, Marcelino Vespeira e António Dacosta, do ponto de imagético se afastam do entendimento comum, do real e da razão, e recriam novas realidades, por vezes “ilegíveis”, mas igualmente “verdadeiras” e legítimas.

Como diria Cesariny : “Eu acho que se se é surrealista, não é porque se pinta uma ave, ou um porco de pernas para o ar. É-se surrealista porque se é surrealista!”

(LAND)SCAPING NORMATIVE THINKING é a exposição do artista Rui Macedo, cuja obra tem incidido, nos últimos tempos, sobre a articulação entre o espaço museológico e a pintura.

Rui Macedo constrói uma narrativa curiosa: os seus quadros estariam expostos no espaço galerístico, quando, por qualquer razão, os “quadros dos outros” vieram sobrepor-se. A contaminação, por um lado, e a fragmentação, por outro, remete o visitante para um universo caótico, confuso e inesperado, bem ao jeito de uma espécie de jogo utilizado pelos surrealistas, nomeadamente os princípios da colagem por si praticada: a fragmentação e a posterior junção dos elementos – montagem.

A Partir do Surrealismo – Na Coleção Millennium BCP é a mostra que poderemos visitar até 6 de janeiro de 2017, na Galeria Millennium.

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