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Drawn: Leonilson no Museu de Arte Contemporânea de Serralves
DATA
08 Jul 2022
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AUTOR
Filipa Valente
Chegou a Portugal a primeira grande retrospetiva da obra de José Leonilson na Europa. A exposição é um retrato intimista da vida do artista brasileiro, da geração de 80, e está patente até 18 de setembro no Museu de Serralves.

Chegou a Portugal a primeira grande retrospetiva da obra de José Leonilson na Europa. A exposição é um retrato intimista da vida do artista brasileiro, da geração de 80, e está patente até 18 de setembro no Museu de Serralves. Imanente na delicada obra de Leonilson reside a crítica pura e dura, que através de aforismos revela valores profundamente atuais, transformando o artista num ícone contemporâneo.

Nordestino, imigrante, homossexual e seropositivo, Leonilson dedicou o seu trabalho às minorias. Na primeira sala, estão presentes obras realizadas entre os anos 70 e 80, parte de uma carreira breve, mas profundamente vivida. Representadas num conjunto de desenhos estão uma “meretriz gigolete”, uma “massagista táxi girl”, uma “balconista” e uma “strip-girl”, parte de uma comunidade que o artista descreve como “indesejada e venenosa”, na qual se integrou, ao lado de índios, ciganos e comunistas. Na mesma sala encontra-se um variado espólio, desde desenhos e pinturas, a esculturas, inspiradas nas linhas arquitetónicas alemãs, e até a correspondência pessoal entre Leonilson e outros artistas, como Albert Hien. Herói humilhado (1988) e os desenhos de Atlas e Sísifo, representam o peso do mundo e a dureza de uma pedra em contraste com a fragilidade do corpo. “Eu não posso fazer trabalhos fáceis se a minha vida é difícil” afirma o artista num documentário presente na exposição.

Filho de uma bordadeira e de um comerciante de tecidos, Leonilson acabou por seguir as pegadas dos pais, sendo a sala seguinte dedicada à sua obra têxtil. Bordado sobre lona pode ler-se Leo não pode mudar o mundo (1991), “porque os deuses não admitem qualquer competição com eles”, um relato que expressa a impotência do artista face à realidade cruel e à infeção pelo vírus do HIV, que lhe foi diagnosticada nesse mesmo ano, quando este era ainda uma condenação mortal. Mas Leonilson não abdicou da arte, continuou compulsivamente a atravessar montanhas, desertos e oceanos. A série de desenhos O Perigoso (1992) foi elaborada já depois do artista ser hospitalizado, contendo o primeiro número uma gota de sangue que marca o risco do contágio de uma doença outrora pejorativamente associada à comunidade gay.

Na sala de mármore encontra-se uma seleção de desenhos realizados entre 1991 e 1993 (ano da sua morte), que terão sido publicados no jornal brasileiro Folha de São Paulo. Os motivos partem do imaginário nordestino de classe baixa, sendo recorrente o uso de objetos e expressões simbólicas da cultura brasileira. Entre castelos de areia e mares de rosas, entre o poético e o político, o artista denuncia a falta de comida, saneamento, hospitais, escolas e vergonha como se pode observar em: Administração doméstica lava roupa suja (sic) (1991) ou Inverno em São Paulo pronuncia-se inferno (1992). No centro da sala, um cubo branco acolhe a Instalação sobre duas figuras (1993), dedicada à Capela do Morumbi, em São Paulo, resumindo a vontade religiosa manifestada por Leonilson ao longo da sua obra. Nada mais íntimo que o espaço confessionário de uma capela, para rematar uma exposição que é um diário aberto da vida de Leonilson. No meio da instalação, duas cadeiras “Da falsa moral” e “Do bom coração” convocam a mesma presença antitética que os desenhos do artista. À esquerda “Lázaro” aguarda no purgatório a chegada dos anjos, depois de uma vida sofrida, uma alusão à imortalidade da alma, que Leonilson alcançou, através da sua obra.

A exposição, Leonilson Drawn 1975-1993, está patente no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, até 18 de setembro de 2022.

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