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Endless sun de Hugo de Almeida Pinho – Parte I: the cinematic sunrise no gnration
DATA
26 Dez 2024
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AUTOR
Ana Martins
A criação da fotografia tem as suas origens no Sol. Não esqueçamos que a génese da palavra é proveniente do grego e pode ser lida, como escrever ou desenhar com a luz. O cinema é a arte da imagem em movimento escrita pela luz do Sol quando contacta com a película.

A criação da fotografia tem as suas origens no Sol. Não esqueçamos que a génese da palavra é proveniente do grego e pode ser lida, como escrever ou desenhar com a luz. O cinema é a arte da imagem em movimento escrita pela luz do Sol quando contacta com a película. No filme Le Petit Soldat (1963), de Jean-Luc Godard, o personagem principal confronta a câmara e diz: “A fotografia é a verdade. O cinema é a verdade 24 vezes por segundo”[1].

Endless Sun: The Cinematic Sunrise de Hugo de Almeida Pinho, patente no gnration (Braga), com curadoria de Paulo Mendes, parte da noção de Capitalismo Solar, na relação entre o Sol, a Terra, a energia e a tecnologia, aprofundando as questões sobre a mediação que estabelecemos entre o Sol e as tecnologias da imagem, através de uma cenografia cinemática, como se a película ao movimentar-se num loop infinito fosse uma metáfora para um Sol sem fim. No texto que acompanha a exposição, o artista afirma: “O sol é um elemento medial na imaginação coletiva, enquanto configuração cultural, autoridade e impulso espiritual, transportando um importante poder ideológico e biopolítico”.

Hugo de Almeida Pinho, na sua prática artística, tem vindo a descortinar as relações entre o Sol, a tecnologia e o humano. Em 2020, no âmbito de uma residência na Cripta 747 em Turim, inicia o estudo sobre políticas solares, apresentando Theater of Sun. Simultaneamente, fruto de uma investigação no Espectro-Heliógrafo do Observatório Geofísico e Astronómico da Universidade de Coimbra (OGAUC), onde o sol é fotografado diariamente quase ininterruptamente há um século, constata a ligação entre o Sol e as tecnologias da imagem, como a fotografia, ou o cinema. Paralelamente, numa visita a Marrocos, adensa o seu estudo, quer na Central Elétrica de Noor – o maior complexo de energia solar concentrada no mundo –, mas também no Atlas Studios – o maior estúdio de cinema ao ar livre do planeta. Acrescesse, o seu périplo ao Synlight (Jülich, Alemanha) – o maior Sol artificial da Terra constituído por 149 lâmpadas de projetores de cinema[2].

Pinho, a partir de uma prática de investigação artística influenciada pelas questões e metodologias da filosofia, da ciência, da etimologia, do jornalismo, mas também do conhecimento popular e místico, produz conexões entre a estrela que está no centro do nosso sistema solar, as tecnologias da imagem e o humano, materializando-as em instalações site-specific, com o recurso a vários meios artísticos, como a imagem em movimento, a escultura, a performance ou o som.

Endless Sun: The Cinematic Sunrise inicia com uma espécie de preâmbulo: dois monitores com uma seleção de imagens em movimento do Sol, provenientes de satélites da ESA (Agência Espacial Europeia) e da NASA, captadas com a colaboração do físico solar Ricardo Gafeira, enunciando a temática central do projeto expositivo: a observação e a instrumentalização do Sol através de dispositivos óticos. É curioso pensar que é possível, através de um aparelho colocado na órbita celeste, recolhermos imagens e informação sobre o Sol ou outros planetas, quase em tempo real.

No entanto, o cerne da exposição concentra-se numa câmara escura, envolta numa cortina bordada com motivos solares mitológicos, composta por um filme-escultura e composição sonora inédita do artista alemão Manuel Sékou. A peça escultórica foi desenvolvida numa referência à representação do deus egípcio Aton, encimado por um disco pendendo raios rematados por mãos, mas também influenciada pela ópera futurista Victory over the Sun (1913), de Mikhail Matyushin, e figurinos de Kazimir Malevich, sobretudo pela geometria, cor e temática. A película desliza sobre seis pequenas mãos esculpidas, desde um disco dourado iluminado por um foco de luz, até a um projetor 16mm, passando pelo seu sistema mecânico, reproduzindo um som maquinal e constante, desembocando na tela de projeção imagens em movimento, filmadas no interior do Espectro-Heliógrafo do Observatório Geofísico e Astronómico da Universidade de Coimbra.

O filme é composto por planos aproximados, com um senso de cenário insólito e de ficção científica, onde é dada atenção às formas redondas, ao espectro ótico colorido da luz e até mesmo aos desenhos que os reflexos luminosos provocam na lente da câmara. A paisagem sonora que ecoa pelo espaço, e que potencia uma maior imersão no ambiente instalativo, é uma tentativa de criação do som do Sol, caso o conseguíssemos ouvir no espaço. Curiosamente, dando a volta ao cenário, descobrimos um nicho iluminado em tons violeta. Talvez uma impressão ilusionista e misteriosa, reforçando a dicotomia entre visibilidade/invisibilidade que os efeitos óticos provocam.

Todavia, para além do ambiente mais soturno, uma outra sala enche-se de uma luz alaranjada e quente, como se estivéssemos a sentir um pôr do sol. Nela está uma composição escultórica constituída por um conjunto de peças em latão, inspiradas em divindades solares, como o deus grego Argo Panoptes, mas também campos de produção de energia e satélites, convocando a nossa relação com o Sol desde a antiguidade até à contemporaneidade.

O projeto expositivo potência reflexões sobre a observação do Sol a partir de dispositivos óticos de um modo poético e simbólico, mas também e num espectro mais abrangente, acerca das políticas energéticas e geológicas contemporâneas. No fundo, confronta-nos com a importância que o Sol teve ao longo da história da humanidade, a relevância que tem na atualidade no que concerne as tecnologias da comunicação, as energias alternativas e as políticas económicas, e que futuros poderemos idealizar para a nossa relação com a estrela central do nosso sistema planetário.

Endless Sun: The Cinematic Sunrise está patente até 4 de janeiro de 2025 no gnration. No âmbito deste projeto artístico, também por ser visitada a exposição Endless Sun: Capital Blindness nas Carpintarias de São Lázaro (Lisboa) até 16 de fevereiro de 2025.

 

[1] Godard, Jean-Luc. (Realizador). (1963). Le petit soldat [Filme].
[2] Roby, Benedita Salema. (2024). Quanto Assombra o Sol?: Cumplicidade Conceptual nos trabalhos de Hugo de Almeida Pinho + Sara Castelo Branco. Umbigo Magazine, pp. 42-44.

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