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Enrico Garzaro
DATA
19 Ago 2020
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AUTOR
Marina Gallani
Num mundo acostumado com inovações e lançamentos tecnológicos constantes, é raro encontrar quem opta por “fazer com as próprias mãos”. Principalmente quando a dita manufatura envolve processos químicos e físicos, quando requere paciência e dedicação, quando o próprio fazer artesanal se torna a obra artística….

Num mundo acostumado com inovações e lançamentos tecnológicos constantes, é raro encontrar quem opta por “fazer com as próprias mãos”. Principalmente quando a dita manufatura envolve processos químicos e físicos, quando requere paciência e dedicação, quando o próprio fazer artesanal se torna a obra artística. Raro, paciente e apaixonado pelo que faz, assim pode-se descrever Enrico Garzaro, 32 anos, economista e fotógrafo italiano atualmente residindo na Holanda. Na entrevista concedida à Revista Umbigo, Enrico conta sobre sua infância na Itália, suas inspirações, formação acadêmica, seus projetos e os maiores aprendizados que teve até hoje.

Uma pequena cidade do interior, perto de Veneza, uma casa grande com jardim, horta e vinhedo, o contato próximo com os avós e a valorização de suas brincadeiras de criança. Enrico descreve sua juventude de forma delicada e destaca a importância da observação do trabalho manual do seu avô na oficina de metal: “eu ainda tenho uma memória vívida de suas mãos. Eu acreditava que ele podia fazer tudo por conta própria”. Essa observação será traduzida em forma de inspiração e referência ao serem descritos os projetos do fotógrafo.

Tendo como suas principais inspirações Max Frisch, Felisberto Hernandes e Roberto Bolaño  na literatura e Daisuke Yokota, Karl Blossfeldt, Paul Kooiker, Wolfgang Tillmans e Miroslav Tichly’ na fotografia, ele expressa um grande interesse em storytelling, literatura e psicologia. Além disso, menciona que tudo o que acontece ao seu redor o influencia: “minha prática como artista e minha própria vida são afetadas constantemente pelas experiências que tenho e o que acontece ao meu redor. Tudo isso deixa marcas, traços e memórias”. Para ele, ler um romance pode ter o mesmo impacto do que uma discussão inusitada com um estranho na rua. O que importa são as histórias.

Uma dessas histórias é a que ele conta sobre a maneira quase acidental que conheceu a Gerrit Rietveld Academy, uma das melhores academias de arte e design da Holanda. Lá completou a licenciatura em fotografia, complementando seus diplomas de economista e de mestre em economia comportamental. Também é onde desenvolveu o projeto Life Long Camera e consequentemente seu projeto de graduação Estetica Morelli.

Segundo Enrico, o primeiro surgiu de uma simples ideia: “eu queria criar uma câmera que seria capaz de fazer uma fotografia com o mesmo tempo de exposição que o tempo restante de vida que eu tenho”. Para isso, teve que refletir sobre como as fotografias são feitas e usadas hoje em dia, pois queria uma foto que não pudesse ser consumida instantaneamente. Determinado em abordar o projeto com um método quase filosófico, Enrico começou do zero: descontruiu a câmera, analisou cada uma de suas partes, seu modo de funcionamento, os aspectos químicos e físicos, estudou sobre os materiais fotossensíveis e entendeu as inúmeras possibilidades. Em seguida, começou a criar, fazer e montar suas próprias câmeras. Todo esse processo serviu de incentivo para se questionar sobre sua própria paciência, confiança e seu papel como fotógrafo.

Apesar de Life Long Camera ainda estar em andamento, já gerou frutos: mencionado anteriormente, o projeto Estetica Morelli foi uma derivação do primeiro. Segundo Enrico, uma de suas grandes inspirações também foi a história do art connoisseur Giovanni Morelli, já que o considera um símbolo de que “pequenos detalhes podem fornecer a chave para uma realidade mais profunda, inacessível por outros métodos a não ser por meio de uma observação atenta”. Com o intuito de homenagear Morelli replicando a viagem que fez pela Itália, o fotógrafo alugou uma van, colocou todas as câmeras que havia feito à mão nela e personalizou seu exterior. Além disso, se vestiu como o connoisseur e ao longo do percurso de Amsterdã até Nápoles foi deixando cada uma de suas 20 câmeras com colegas e conhecidos. O objetivo era que ao deixá-las, abriria o obturador e faria a exposição de uma foto que fosse contínua até seu retorno. Enrico conta que a última foto antes de fazer o caminho de volta até Amsterdã, recolhendo as câmeras, foi um autorretrato de duração de três horas em uma praça em Nápoles e que lá se questionou sobre “quem está registrando quem? Eu ou a câmera?”.

Esse tipo de questionamento é o combustível para que Enrico continue criando. Desde o quintal de seus avós na Itália, sua manufatura de câmeras e até hoje, desenvolvendo novos projetos, é por meio de suas dúvidas e de sua curiosidade insaciável que transforma o banal em extraordinário. Seja durante o percurso de uma nova aventura, em um café em Amsterdã ou nas suas redes online, o fotógrafo convida a todos para compartilhar histórias… pelo menos enquanto o obturador de sua Life Long Camera não fechar.

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