article
Mais Tarde: Jorge Molder na Galeria Belo-Galsterer
DATA
28 Dez 2021
PARTILHAR
AUTOR
Margarida Alves
Lembro-me do poeta, o fingidor que «finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente».[1] A autopsicografia de Pessoa reflete-se em Jorge Molder através da representação do corpo. À entrada da exposição, a imagem de umas mãos remete-nos para…

Lembro-me do poeta, o fingidor que «finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente».[1] A autopsicografia de Pessoa reflete-se em Jorge Molder através da representação do corpo.

À entrada da exposição, a imagem de umas mãos remete-nos para a habilidade do prestidigitador, daquele que nos leva para um mundo onde a apreensão fenomenológica não passa de uma ilusão dos sentidos. O jogo desdobra-se em fotografias de alto contraste cuja escala se aproxima do nosso próprio corpo, fazendo-nos mergulhar num universo onírico.

É entre o sono e o sonho[2] que percorremos as imagens cambiantes de pequenos símbolos, vultos, objetos flutuantes sobre fundos negros: um candelabro neoclássico, uma moldura vazia, uma estrela difusa, uma carpa ondulante. Contudo, à medida que submergimos na exposição, a imagem do artista assume uma posição central: um grito mudo, um rosto que se contorce, um outro que nos olha diretamente e, por fim, um corpo que jaz na escuridão. É esse duplo sentido entre o estar e o parecer morto, entre o repouso e a imobilidade eterna que se projetam aos nossos olhos.

Pois, o sono e o sonho são também lugar de regiões de luz e sombra, matérias onde confluem os nossos medos até ao fim da cognoscência.

Num outro espaço, três rosas secas num rosa pálido sob uma placa de vidro. Aqui, o rosto de Jorge Molder dá lugar ao observador, ao reflexo de um corpo: o meu corpo, o teu corpo, o corpo do artista. Três rosas na escuridão e revolve-se o solo que dá vida à vida.

No ciclo do eterno retorno, o sonho liberta-nos do amor fati.

Talvez Mais Tarde, na penumbra da noite, nos apercebamos que estamos simultaneamente sujeitos ao nascimento e à morte, como partes e membros das formas perecíveis, ou como forças que são simultaneamente verdade e representação.

Mais Tarde, de Jorge Molder, está patente na Galeria Belo-Galsterer, em Lisboa, até 29 de janeiro.

 

[1] Pessoa, Fernando. (1932). Autopsicografia. Disponível aqui.

[2] Tal como indicado na folha de sala concebida por Alda Galsterer, «nesta exposição, Jorge Molder trabalha a partir de uma série inicial, encomenda da GRANTA, cujo leitmotiv é o Sono/Sonho. Sono e Sonho são experiências comuns a todos os seres humanos, experiências universais, não obstante muitas vezes solitárias; e mundos ainda por explorar.» Disponível aqui.

BIOGRAFIA
Margarida Alves (Lisboa, 1983). Artista, doutoranda em Belas Artes (FBAUL). Investigadora bolseira pela Universidade de Lisboa. Licenciada em Escultura (FBAUL, 2012), mestre em Arte e Ciência do Vidro (FCTUNL & FBAUL, 2015), licenciada em Engenharia Civil (FCTUNL, 2005). É artista residente no colectivo Atelier Concorde. Colabora com artistas nacionais e estrangeiros. A sua obra tem um carácter interdisciplinar e incide sobre temas associados à origem, alteridade, construções históricas, científicas e filosóficas da realidade.
PUBLICIDADE
Anterior
article
Tipologia: Ana Romãozinho na Casa Amarela – Galeria Municipal de Castelo Branco
28 Dez 2021
Tipologia: Ana Romãozinho na Casa Amarela – Galeria Municipal de Castelo Branco
Por Margarida Oliveira
Próximo
article
A Cidade Incompleta, de Fernanda Fragateiro
29 Dez 2021
A Cidade Incompleta, de Fernanda Fragateiro
Por José Pardal Pina