Nets of Hyphae de Diana Policarpo com curadoria de Stefanie Hessler (Diretora da Kunsthall Trondheim, Noruega) patente na Galeria Municipal do Porto até 25 de abril de 2021 [reabertura a 6 de abril] é um rizoma expandido no espaço, uma rede de paralelismos entre o ergotismo, a saúde sexual, reprodutiva e o psicadelismo, permitindo questionar: se as mulheres usavam a cravagem para os abortos e consequentemente acusadas de bruxaria, como estes factos estão relacionados com a ascensão do capitalismo? Como a medicina tradicional foi sendo objeto de repressão? Na contemporaneidade, como o estudo da sexualidade continua a ser desvalorizado?
No texto curatorial é lançado o mote da exposição: “O parasita da cravagem que infeta o centeio é conhecido como sendo a causa do ergotismo, ou Fogo de Santo António. Em pequenas doses, o fungo tem sido tradicionalmente usado por curandeiras para provocar abortos (…) [e] foi erradicado pelo progresso do capitalismo patriarcal, que o substituiu pela obstetrícia”. A curadora conta que investigadores especulam que este fungo causador de “convulsões, alucinações e sensações de ardor” poderá ter sido uma das causas da caça às bruxas, ou da epidemia de dança que assolou um pouco toda a Europa entre os séculos XIV e XVII. Ainda ressalva que “a cravagem é o componente natural a partir do qual o químico Albert Hoffman sintetizou acidentalmente o LSD-25 em 1938, quando procurava curas para a hemorragia pós-parto”, substância conhecida pela sua utilização sobretudo pelos movimentos de contracultura dos anos 1960.
Diana Policarpo parte da investigação sobre o fungo ergot ou esporão-do-centeio e a sua presença na sociedade ocidental ao longo dos séculos, pelo estudo do seu ciclo de vida, a forma como está relacionado ao sistema reprodutivo das plantas e das mulheres, assim como pela análise de bibliografia sobre o psicadelismo. Em Nets of Hyphae demonstra três vídeos: The Oracle (2020) onde nos é dada uma perspetiva histórica sobre o ergotismo, a ginecologia e a obstetrícia; Cyanovan (Protocol), 2020, um registo documental, em que a artista extrai o fungo ergot do centeio juntamente com a biohacker transfeminista Paula Pin, no seu laboratório ambulante na Galiza e Bosch’s Garden (2020), uma animação digital de As tentações de Santo Antão (c.1501) de Hieronymus Bosch, com especulações criadas à volta da pintura, nomeadamente acerca da sua ligação à doença Fogo de Santo António. Para além das imagens em movimento, Policarpo também tece a sua trama pelo meio do têxtil (Bodies We Care For, 2020), do desenho de luz e da instalação sonora (Drift, 2020) criando um ambiente imersivo, ligando todo o discurso e reflexões permitindo entrar no imaginário invocado. Apesar da quantidade de informação e dos inúmeros sons provenientes dos diferentes meios, que se fundem e impregnam todo o espaço expositivo, o estudo de Policarpo sobre o ergotismo e as analogias que cria com a saúde sexual, a ascensão e a globalização do capitalismo patriarcal, o estado psíquico provocado por alucinogénios e o modo como o desenvolve artisticamente é um gesto profundamente pertinente, premente e contemporâneo.
A compositora e artista multimédia – que desenvolve a sua prática entre as artes visuais, a música electroacústica e a performance, investigando sobre as relações de poder, cultura popular e política de género, como em Overlay (2020) na Lehmann + Silva, ou em Death Grip (2019) no MAAT, também sobre um fungo (Cordyceps) –, nesta sua mais recente exposição, desenvolve e reforça o seu trabalho artístico, abordando um tema ainda tabu, como a saúde sexual e os efeitos medicinais das substâncias alucinogénias. Não é por acaso que só na atualidade, segundo alguns cientistas, as drogas psicadélicas poderão ser eficazes no tratamento da depressão e do alcoolismo, e que o primeiro estudo anatómico do clítoris foi publicado em 1998 pela urologista Helen O’Connell, não tendo havido desde então um grande número de estudos sobre o órgão do aparelho genital feminino.