A Igreja de San Lorenzo em Veneza era já, para mim, o lugar familiar quando em Veneza. A artista Joan Jonas, tinha em 2019 com Moving Off the Land II uma instalação didática com desenhos, vídeos e instalação que prestavam tributo às espécies marinhas e a sua imensa diversidade. Este espaço e o percurso até lá chegar manteve-se na minha memória, tal como a própria Veneza, falada já como um lugar efémero que sucumbirá em breve às consequências das alterações climáticas.
É neste contexto que a organização de Ocean Space trabalha, promovendo a favor da consciencialização a informação, investigação e exibição do conhecimento sobre a natureza marinha e os seus ecossistemas através de práticas artísticas. O lugar de exposição também é um fator de interesse para o desenvolvimento deste tipo de projetos, sendo uma igreja, desprovida de qualquer tipo de simbolismo católico e liberta da identidade religiosa, mantém o seu cariz de lugar de culto e adoração, a uma entidade superior. A construção monumental do espaço e a sua expressão arquitetónica, torna-se um lugar duplamente austero e acolhedor pela sua amplitude em altitude e largura, temperatura baixa e materiais conhecidos.
Na ocasião da Biennale de 2022, o Ocean Space foi ocupado por duas artistas de forma individual, Dineo Seshee Bopape com Ocean! What if no change is your desperate mission? e a artista portuguesa, Diana Policarpo com Ciguatera. Ambas as peças de audiovisual estavam sincronizadas, sendo que uma só iniciava no fim da outra, conduzindo o público entre as duas divisões da Igreja. Organizadas com a curadoria de Chus Martinez, o projeto aborda temas partilhados que implicam a ordem de care e commons. Numa perspetiva também sobre especulação do futuro e tendências apocalípticas, as duas peças têm um sentido semelhante lógica de percurso com um destino ainda incerto. O que vejo com a instalação de Bopape é uma rota: uma viagem entre as Ilhas Salomão, o Mississipi, a Jamaica e a África do Sul que traça rituais tradicionais, lendas e misticismos culturais sobre práticas que envolvam a memória do Oceano. No caso de Policarpo, o método de storytelling e as linhas narrativas formam um mapa complexo com o ponto de partida nas Ilhas Selvagens.
Ciguatera, está instalada na segunda sala da Igreja de San Lorenzo, ao fundo estão uns rochedos como aqueles que habitam o areal das praias. Ao aproximar-me o material começa a revelar-se menos familiar pela sua rugosidade perfeita e leveza conveniente, mas também e principalmente, os seus ecrãs incrustados que ocupam o lugar onde estariam pequenos moluscos. Sendo as rochas, das formações mais antigas do planeta têm um importante lugar na observação da evolução planetária e das influências humanas na sua destruição. À volta destes rochedos, híbridos e andróides, o público juntava-se para ouvir a sua história através dos headphones, uma visão que de um ponto de vista exterior, assemelhava-se a um ritual de culto e admiração. Nestes vídeos que simulam clips de formação técnica, mostram um conjunto de documentação fotográfica que acompanham uma explicação: a denuncia à ligação direta entre o conhecimento científico e práticas coloniais e a consequente da criação de uma linguagem universal e eurocêntrica. A proposta de Ciguatera vincula-se na revisão pós-colonial da história e do enquadramento de monumentos naturais como são as ilhas, as rochas e os oceanos como catalisadores, mecanismos e meios para a construção de um novo conhecimento universal, pluridisciplinar e multicultural.
O Ocean Space em Veneza com intervenções de Dineo Seshee Bopape e Diana Policarpo podem ser visitadas até 2 de outubro de 2022.