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Os caminhos do corpo: Alberto Carneiro na 3+1 Arte Contemporânea
DATA
21 Out 2021
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AUTOR
Joana Duarte
Um conjunto de obras fundamental para a compreensão da obra de Alberto Carneiro (Trofa, 1937-2017) encontra-se reunido na exposição Os caminhos do corpo, na 3+1 Arte Contemporânea, em Lisboa. Maioritariamente conhecido como escultor, o seu trabalho comporta um espectro abrangente de suportes, que vão desde…

Um conjunto de obras fundamental para a compreensão da obra de Alberto Carneiro (Trofa, 1937-2017) encontra-se reunido na exposição Os caminhos do corpo, na 3+1 Arte Contemporânea, em Lisboa. Maioritariamente conhecido como escultor, o seu trabalho comporta um espectro abrangente de suportes, que vão desde a fotografia, passando pelo desenho, e que culminam na escultura. Esta exposição revela a multiplicidade e o vasto universo em que o artista operava, destacando momentos distintos da sua vida e obra.

Alberto Carneiro é um dos mais importantes artistas portugueses. Deixou-nos uma obra singular onde arte, corpo e natureza se fundem numa linguagem que se aproxima do conceptualismo, do minimalismo, da arte povera e da land art. Tal deveu-se à sua estadia em Londres no final dos anos 60, altura em que frequenta a aclamada Saint Martin’s School of Art, onde teve contacto com as tendências artísticas emergentes da época.

Apresentou o seu trabalho em várias exposições individuais, teve várias exposições retrospetivas, entre as quais na Fundação Calouste Gulbenkian em 1991, na Fundação de Serralves no mesmo ano e no Centro Galego de Arte Contemporânea em Santiago de Compostela em 2001. Representou Portugal na Bienal de Paris em 1969, na Bienal de Veneza em 1976 e na Bienal de São Paulo em 1977 e participou na exposição Alternativa Zero, levada a cabo por Ernesto de Sousa em Portugal em 1977. Dos prémios recebidos, destacam-se o Prémio Nacional de Escultura em 1968, o Prémio Nacional de Artes Plásticas AICA em 1985 e as comendas de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique em 1994.

O seu trabalho revela-se inovador no contexto português. Destaca-se O canavial: memória metamorfose de um corpo ausente de 1968, obra em que aborda um novo modo de entender a escultura a partir dos seus elementos naturais. Nos anos seguintes, desenvolveu uma série de intervenções na paisagem e na natureza que regista através da fotografia, das quais Trajeto dum corpo, obra que abre a exposição Os caminhos do corpo, é uma das obras mais importantes.

O conjunto de fotografias que constituem esta peça regista o percurso que o artista descreve nu transportando um seixo rolado em diversos ambientes naturais que lhe eram afetivamente próximos. Inicia-se na praia de Labruje, onde encontra a pedra que transporta para a paisagem de serra do vale do Coronado. O trajeto é marcado por uma ação performativa, na qual Alberto Carneiro perfura a pedra de um lado ao outro e se retrata a si mesmo estendido sobre a terra, numa espécie de ação meditativa com a paisagem com uma dimensão erótica e sexualizada. Segundo Catarina Rosendo, estes gestos representam uma componente muito importante para o trabalho de Alberto Carneiro nestes anos, uma vez que constituem uma reflexão sobre a escultura, sobre os atos e os gestos que dão origem à escultura.

A par das quarenta e quatro fotografias a preto e branco, duas fotografias a cores integram o conjunto. Estas duas fotografias mostram a pedra exposta na Galeria Quadrum, em Lisboa, em 1976, momento em que a pedra se transforma em arte, condição artificial que o espaço da galeria confere a este elemento natural.

O artista deixou clara a intenção da utilização da fotografia a preto e branco no seu trabalho. Procurava através dela criar um distanciamento entre o que está representado na fotografia e aquilo a que a fotografia reporta diretamente, uma vez que as imagens retiradas da natureza são artifícios e não a natureza propriamente dita. As fotografias a preto e branco são assim, nas suas palavras, «a natureza artificial do homem».

Por fim, as últimas fotografias da obra voltam a ser a preto e branco, revelando a devolução da pedra à paisagem, à Serra de Fafe.

Após anos dedicado exclusivamente à fotografia e ao desenho, a partir de 1983-1984, Alberto Carneiro regressa à prática escultórica com recurso à serra elétrica como instrumento de trabalho, ao invés dos tradicionais escopo e martelo. Mais tarde, a partir de meados dos anos 90, começa a interessar-se por um trabalho escultórico em madeira, através do qual procura extrair as energias próprias do material. Regista assim nas suas esculturas os veios da própria madeira, a seiva que nela se esconde ou os sulcos escavados na sua superfície por um eventual curso de água.

Coluna com fim: 1 para 7 para 9 de 2005, Meu corpo planta 3 do mesmo ano e Murmúrios da Floresta de 2004 são exemplos desta pesquisa, sendo que a primeira homenageia Constantin Brâncuşi, um dos seus escultores de eleição, a par de Alberto Giacometti e Gian Lorenzo Bernini.

Nesta exposição, encontramos ainda uma série de desenhos, feitos por Alberto Carneiro em 2015 – na reta final da sua vida – e mostrados pela primeira vez em 2018 na Cooperativa Diferença. Sem Título apresenta uma sequência de skylines que desenham múltiplas perspetivas e que lembram as paisagens orientais.

A par destes desenhos, duas obras executadas a propósito da exposição individual do artista em 2003 na Porta 33, no Funchal, são expostas pela primeira vez em Lisboa. Os caminhos da água e do corpo sobre a terra. Linha do olhar: do corpo sobre a paisagem e Os caminhos da água e do corpo sobre a terra constituem dois frisos, um composto por desenhos e outro por fotografias.

Ambos os trabalhos partem de caminhadas que o artista fez pelas levadas da ilha da Madeira e reativam muitos dos aspetos das obras de Alberto Carneiro dos anos 70: a fotografia a preto e branco, o friso que evidencia uma continuidade, uma linha do horizonte que é reforçada pelo traço negro que atravessa todos os desenhos e fotografias.

Os caminhos da água e do corpo sobre a terra é rematada por um espelho que inclui o espectador na própria obra, onde se lê «és a natureza da arte e nela uma outra natureza».

Catarina Rosendo evidencia um aspeto curioso no percurso artístico de Alberto Carneiro, que está presente nestas duas obras. Apesar de o artista ter ficado vinculado à imagem de escultor a partir do início dos anos 80, altura em que retomou esta prática, pontualmente assistimos ao longo de toda a sua obra a um revisitar da sua própria prática artística, através do uso de suportes e/ou práticas utilizados anteriormente, tais como a fotografia, o desenho ou o registo de percursos na paisagem, e de interrogações acerca do fazer artístico.

Poder-se-á dizer que Os caminhos do corpo constitui uma exposição que resume a obra de Alberto Carneiro, um dos mais importantes artistas portugueses, apresentando uma amostra tão diversificada quanto abrangente da sua prática artística. Sem dúvida uma exposição a não perder, que poderá ser vista na 3+1 Arte Contemporânea, em Lisboa, até 30 de outubro.

BIOGRAFIA
Joana Duarte (Lisboa, 1988), arquiteta e curadora, vive e trabalha em Lisboa. Concluiu o mestrado integrado em arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa em 2011, frequentou a Technical University of Eindhoven na Holanda e efetuou o estágio profissional em Xangai, China. Colaborou com vários arquitetos e artistas nacionais e internacionais desenvolvendo uma prática entre arquitetura e arte. Em 2018, funda atelier próprio, conclui a pós-graduação em curadoria de arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e começa a colaborar com a revista Umbigo.
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