Uma brisa sobre o rosto, uma aragem sobre o corpo, as mãos do vento que delineiam gestos sobre a pele. E num movimento fluido, é o instante que prevalece, pois o ciclo manifesta-se continuamente na matéria como um fluxo, não como um retorno.
O tempo é devir e, como tal, irrepetível.
Se “todas as coisas se deslocam e nada permanece […] ‘não se pode entrar duas vezes no mesmo rio’.”[1] Em Silvia Bächli, a questão do devir transmuta-se em linhas, exercícios de desenho onde as paredes brancas do espaço de exposição dão continuidade ao vento para além do corpo.
O subtil, a fluidez das formas marca o instante, o interstício das histórias, onde a narrativa se dissipa, dando lugar à memória de um sopro, uma brisa de verão com um guache ocre, ou um amanhecer com a humidade breve, uma brandura de azul.
Na primeira sala de exposição, um antebraço está recostado sobre o apoio. Ambos, corpo e base, são imagens fragmentadas. As formas estendem-se apenas no domínio da imaginação. Nas salas contíguas, já não há corpo, nem resquícios de figuração. São as linhas que prevalecem, pinceladas horizontais e verticais sobre o papel, gestos que se expandem em diferentes escalas e que introduzem o campo do tempo percetivo do espectador.
Os papéis sobre as paredes estão a diversos níveis, assinalando ritmos, planos, linhas, pontuações cromáticas, impressões do vento sobre a pele e transpondo a mesma, no domínio atmosférico, mais perto do firmamento.
Na última sala de exposição, o desenho dialoga com esculturas, pequenos objetos de gesso dispostos sobre uma mesa. A sua epiderme facetada é pintada com guache a diferentes cores. Tal como uma congregação humana, projeta-se a ação do vento nas superfícies: ocres, cinzentos, verdes e azuis, registos da memória sensorial dos elementos.
E num sentido de alteridade, a subtileza de Silvia Bächli dá lugar ao envolvimento da mesma na escolha do próximo artista em exposição:[2] Ângelo de Sousa (1938-2011), o escultor das linhas e objetos, formas elementares. De algum modo, esta passagem de testemunho simboliza o movimento subtil que ultrapassa a superfície do desenho, uma brisa que circunda e penetra o espaço escultórico do corpo.
Side Facing the Wind está patente na Fidelidade Arte até 26 de novembro e inaugurará na Culturgest Porto a 18 de dezembro.
[1] Alusão a Heraclito. Excerto retirado de: Platão. (2001). Crátilo. Fragmento 402a. Tradução do grego para o português por Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget.
[2] Side Facing the Wind consiste na oitava exposição do projeto curatorial Reação em Cadeia, de Delfim Sardo e Bruno Marchand, onde os artistas são força ativa na escolha dos pares que lhes sucedem.