27 Mai 2025
Trazer o som para o presente: uma entrevista com o NOW Collective
Entrevistapor Josseline Black
PARTILHAR
"Os sons afetam a forma como nos sentimos, e isso liga-se à questão da corporalidade. Tentámos ajudar as pessoas a sentirem-se presentes e a sentirem-se num espaço onde se sintam seguras para se expressarem. As frequências são uma versão muito simplificada disto. Pensar no poder das frequências de cura abre-nos à possibilidade de trabalhar com praticantes e pessoas que, com muitos anos de experiência, já trabalhavam a cura."

Sediado em Lisboa e composto por três músicos profissionais, o NOW Collective pretende criar ambientes onde o som seja acedido de forma presente e a música não seja apenas um produto consumível, mas um portal para a autoexpressão de um público reunido. O seu mais recente evento comissariado focou-se em oferecer frequências de cura. A neurociência, na sua sobreposição com as modalidades somáticas, tem afirmado que as frequências binaurais têm efeitos variados no sistema nervoso, o que pode ser benéfico. Juntamente com uma sessão de meditação guiada, o NOW Collective, de forma subtil e precisa, facilitou a aprendizagem do público sobre esta forma de experienciar o som. O coletivo é conhecido por criar espaços acolhedores e seguros, onde artistas podem mostrar os seus trabalhos mais recentes, propondo formas inovadoras de conexão. Esta nova iteração da sua prática curatorial destaca a sua ênfase em testar os limites do que é considerado um "evento" ou mesmo "um evento musical", transformando o evento num happening experimental em torno da cura. Ao explorar a construção de comunidades enquanto tal, o NOW continua a sua missão de preservar os efeitos táteis e sensíveis do som

Josseline BlackComo definem a vossa missão enquanto coletivo vocacionado para o som?

NOWO nosso objetivo é tornar as experiências sonoras acessíveis a todos e criar novas formas de experienciar a música, para lá dos formatos tradicionais. Deste modo, pensamos fora da pista de dança, em novos espaços e dispositivos que nunca foram feitos antes, e fazer perguntas que nunca foram feitas antes. Fomentamos o meio presencial, tentando partilhar o conhecimento de todos numa plataforma e espaço vocacionado para o divertimento. Mas sempre de forma presencial, não online, nem em qualquer plataforma de redes sociais.

JBComo caracterizam a vossa filosofia e a forma de se organizarem relativamente à digitalidade e ao digital?

NOWSempre quisemos desafiar um pouco os ambientes altamente digitalizados e a forma como afetaram o comportamento das pessoas nesses ambientes, a relação entre elas e o prazer do som e da música. Não somos antidigitais, somos apenas pró-analógicos. Estamos a tentar propor formas mais lentas, mais significativas e intencionais para as pessoas se conectarem, limitando as nossas publicações no Instagram apenas às informações necessárias, sem que haja a necessidade de estabelecer um arquivo de tudo o que aconteceu antes. O que queremos realmente é que as pessoas estejam presentes nos momentos que proporcionamos, para que se torne algo que permaneça no coração e na mente das pessoas, em vez de um legado digital. Também queríamos brincar com a presença e com a sensação de estarmos realmente num espaço físico, através da partilha, e de atividades físicas, como desenhar ou facilitar a conversa com cartões de comunicação. Na nossa última iniciativa criámos um ambiente onde as pessoas podiam realmente estar presentes de forma consciente. A razão pela qual nos chamamos No One’s Watching começou no sentido literal. A ideia era a vigilância e o facto de muitas pistas de dança estarem agora mais preocupadas em documentar o momento do que em estar presentes. O No One’s Watching, enquanto plataforma, representa visibilidade e promove coisas que são menos visíveis, sem documentação obrigatória.

JBComo definem a expressão “escuta profunda”?

NOWO que fazemos insere-se mais no âmbito de uma missão, do que da escuta profunda. A escuta profunda vem de um ângulo de curadoria musical e, na sua forma mais pura, trata-se de música, de apreciar música na sua forma mais pura, orientada pela lente de alguém que é um músico respeitado. O que procuramos fazer é produzir – não importa o tipo de música, não importa o tempo que a pessoa vai apresentar a sua performance musical ou há quanto tempo pratica… isso não nos interessa verdadeiramente. Trata-se antes da experiência que criamos e da atmosfera.

JBPodem partilhar um pouco sobre o feedback que receberam das pessoas que se reúnem em torno dos seus acontecimentos?

NOWCuriosidade. Na realidade, ninguém sabe o que vai acontecer a seguir, nem para onde vamos. Precisam de confiar um pouco em nós. Eles precisam de confiar em nós e na nossa missão, e acho que se surpreendem positivamente todas as vezes.

JBO mais recente happening que desenvolveram abordou as frequências e o desbloqueio de um certo tipo de experiência psicológica ou espiritual através do som. De onde surgiu esta ideia?

NOWSurgiu da curiosidade em apresentar algo diferente numa comunidade. Os sons afetam a forma como nos sentimos, e isso liga-se à questão da corporalidade. Tentámos ajudar as pessoas a sentirem-se presentes e a sentirem-se num espaço onde se sintam seguras para se expressarem. As frequências são uma versão muito simplificada disto. Pensar no poder das frequências de cura abre-nos à possibilidade de trabalhar com praticantes e pessoas que, com muitos anos de experiência, já trabalhavam a cura. Isto não era algo a que o público estivesse particularmente habituado, mas também nunca prometemos fazer sempre as pessoas dançar.

JBComo veem o progresso do vosso coletivo ao longo do tempo?

NOWTemos a ambição de manter tudo o mais orgânico possível e continuar a fazer esta comunidade crescer. Tivemos muita sorte com as pessoas que vieram aos nossos projetos desde o início, que voltaram sempre, e com os novos espectadores que trouxeram. Os visitantes dizem sempre que é acolhedor e intencional. O facto de todos terem tido experiências tão viscerais com a meditação que fizemos, mostrou-nos que estavam abertos a ela, o que consideramos ser uma verdadeira bênção, porque confiaram em nós para algo especial.

BIOGRAFIA
Josseline Black é curadora de arte contemporânea, escritora e investigadora. Tem um Mestrado em Time-Based Media da Kunst Universität Linz e uma Licenciatura em Antropologia (com especialização no Cotsen Institute of Archaeology) na University of California, Los Angeles. Desempenhou o papel de curadora residente no programa internacional de residências no Atelierhaus Salzamt (Austria), onde teve o privilégio de trabalhar próximo de artistas impressionantes. Foi responsável pela localização e a direção da presidência do Salzamt no programa artístico de mobilidade da União Europeia CreArt. Como escritora escreveu crítica de exposições e coeditou textos para o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Madre Museum de Nápoles, para o Museums Quartier Vienna, MUMOK, Galeria Guimarães, Galeria Michaela Stock. É colaboradora teórica habitual na revista de arte contemporânea Droste Effect. Além disso, publicou com a Interartive Malta, OnMaps Tirana, Albânia, e L.A.C.E. (Los Angeles Contemporary Exhibitions). Paralelamente à sua prática curatorial e escrita, tem usado a coreografia como ferramenta de investigação à ontologia do corpo performativo, com um foco nas cartografias tornadas corpo da memória e do espaço público. Desenvolveu investigações em residências do East Ugandan Arts Trust, no Centrum Kultury w Lublinie, na Universidade de Artes de Tirana, Albânia, e no Upper Austrian Architectural Forum. É privilégio seu poder continuar a desenvolver a sua visão enquanto curadora com uma leitura antropológica da produção artística e uma dialética etnológica no trabalho com conteúdos culturais gerados por artistas. Atualmente, está a desenvolver a metodologia que fundamenta uma plataforma transdisciplinar baseada na performance para uma crítica espectral da produção artística.
Anterior
article
capa do mês
14 Mai 2025
O cerco
Por Fernando José Pereira
Próximo
interview
capa do mês
03 Jun 2025
Entrevista com Juan Martín Prada - Cluster Arte, Museus e Culturas Digitais
Por José Pardal Pina
PROJETO PATROCINADO POR