27 Mai 2025
A sofisticação da mentira
Projecto Artísticopor Rodrigo Gomes
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Há cerca de um ano, na quinta-feira de 28 de Março, os espectadores do BabyTV experienciaram algo a que vou chamar "a sofisticação da mentira". Foi o momento em que os meus primos de 2 e 5 anos, entre outras crianças e bebés pela Europa afora, foram interrompidos por propaganda russa.

Primeiro, o som dos desenhos animados foi interrompido. Depois, a imagem foi substituída pela figura de Putin, por uma bandeira russa, imagens animadas de uma ponte em construção, barragens, fábricas de fundição, um comboio, uma igreja e o mapa do país.


As imagens hackeadas eram rostos de mil máscaras, vozes entrecortadas, um hino em coro, brilhos e sombras de uma falsa identidade. Um retrato de uma comunidade perdida, um mapa impossível das rotas entre almas. Todas as imagens transmitidas neste ataque vacilavam diante do mistério, do momento em que duvidamos da realidade.

Isto está a acontecer? Mudo de canal, volto ao mesmo, e as imagens persistem. É uma sofisticação da mentira que, se diante das fake news, tivéssemos a opção de contrastar os fatos, desmascarar deepfakes implica uma complexidade maior.
A partir de agora, mesmo que observes algo, não acredites.
Este ataque, segundo o jornal NL Times, é o primeiro de que há registo a alterar conteúdos transmitidos e encriptados por via satélite de televisão. 
Ao investigar o que realmente se passara, percebi que ali, naquele ato, deflagrava um outro tipo de guerra: uma guerra híbrida, feita não apenas para conquistar, mas para moldar consciências, para semear desconfiança no tecido da realidade.
A origem deste evento é ainda incerta, mesmo passado um ano, tal como tantas outras que ocorrem e nos arrastam para esta crescente sofisticação da mentira.
2025 Rodrigo Gomes
BIOGRAFIA
Faro, 1991. Rodrigo Gomes é artista e docente. Vive e trabalha em Lisboa. O foco do seu trabalho reside na forma como as técnicas digitais e as hipertecnologias mediais filtram a realidade e influenciam aspetos socioeconómicos no mundo. Participou em diversas exposições coletivas e festivais em diversos países, tais como: China, Sérvia, Grécia, Itália, EUA, Polónia, França e Portugal. Em 2021, ganhou o prémio D-Normal/ V-Essay Floating Points em Hong Kong (CH), em 2020 o Prémio Black Raven (PT) e em 2017 o Prémio Sonae Media Art (PT).
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