José Ramón Alcalá é uma referência no campo da New Media Art, com um extenso currículo na utilização inicial de dispositivos eletrónicos na arte até à criação de instituições orientadas para a preservação, exposição e investigação da arte eletrónica e multimédia. O Museo Internacional de Electrografía – Centro de Innovación en Arte y Nuevas Tecnologías (MIDECIANT) que criou serve de farol para a evolução e aplicação da tecnologia na arte.
A entrevista que se segue é um testemunho crítico do seu trabalho, que muitos diretores, galeristas, curadores e artistas deveriam contemplar, num sistema que ainda favorece modos ultrapassados de produção e realização de exposições, esquecendo as práticas híbridas que o século XXI tem vindo a desenvolver.
Ainda a lutar pela inclusão destes artistas e das suas obras no sistema de arte, Ramón Alcalá confessa, todavia, a sua desilusão, sem que isso ponha em causa o entusiasmo pela arte multimédia, dos novos media e dos novos modos de criação.
José Pardal Pina: Quando começou o seu interesse pela arte eletrónica e dos novos media, e no que está a trabalhar atualmente?
José Ramón Alcalá: O meu interesse pela Arte Eletrónica e por Media Art começou durante os meus estudos em Belas Artes, em 1982-83, numa aula de Motion Drawing. O professor pediu-nos para desenhar a modelo enquanto ela se deslocava nua pelo corredor da sala de aula. Nessa noite, pensei que, se quisesse captar o movimento de uma pessoa a caminhar de forma atualizada, a melhor forma e a mais criativa de o fazer seria através do uso de algum tipo de tecnologia de digitalização. Tive a ideia de utilizar as lâmpadas do scanner de uma das fotocopiadoras que o meu pai tinha no escritório dele. Passei toda a noite seguinte a fotocopiar partes do meu corpo que se moviam pelo ecrã ao ritmo das suas lâmpadas. Estas fotos "artísticas" foram uma grande descoberta para mim (mas não para o meu professor, que me chumbou). 
A partir desse momento, desenvolvi uma verdadeira obsessão pela criação de imagens técnicas utilizando máquinas ao meu alcance: fotocopiadoras, faxes, repromasterizadoras, cianótipos, heliógrafos, etc. Graças a uma bolsa do escritório da Canon em Valência — a minha cidade —, pude trabalhar intensa e profundamente com máquinas de reprodução eletromecânica. 
Meses depois, já fazia parte do movimento internacional Copy Art. Juntei-me ao meu colega de curso, Fernando Canales, para formar a equipa Alcalacanales, cujas obras e projetos artísticos foram exibidos em vários países até à morte de Fernando Canales, vítima de cancro, em 1995, aos 34 anos. Para além de produzirmos e expormos obras e instalações artísticas relacionadas com a utilização criativa das novas tecnologias, o Fernando e eu ministrámos inúmeros workshops, publicámos diversos livros e manuais e realizámos inúmeras palestras e apresentações.
Em 1988, juntamente com outros jovens artistas e teóricos de disciplinas de vanguarda, fui contratado para fundar a Faculdade de Belas Artes de Cuenca (parte da Universidade de Castilla-La Mancha), cujo currículo revolucionou o panorama académico das artes plásticas. Atualmente, sou professor de Arte e Novas Tecnologias aqui. Um ano depois de ter ingressado na Faculdade de Belas Artes de Cuenca como professor, fundei o Cuenca International Electrography Museum (atual MIDECIANT), que dirigi até 2018. Nas suas oficinas e laboratórios de Novas Tecnologias, tenho experimentado, criado e investigado a utilização das tecnologias digitais até aos dias de hoje.
Atualmente, a minha principal atividade centra-se na experimentação com programas generativos de Inteligência Artificial, na atualização de metodologias de ensino para as Novas Tecnologias para a Arte e na teorização e conceção de modelos alternativos para a exposição e divulgação de arte contemporânea (New Media Art). Atualmente, colaboro no desenvolvimento do cisma.art, um espaço independente de produção e divulgação das práticas artísticas mais inovadoras. De natureza híbrida (física e virtual), conta com várias sedes na cidade espanhola de Valência e uma poderosa plataforma digital online. José Pardal Pina: É um dos autores e académicos com mais experiência na área dos meios digitais, tendo dirigido várias instituições em Espanha. Como avalia o impacto da chamada viragem digital nas instituições culturais espanholas?
José Ramón Alcalá: Como já referi anteriormente, estou particularmente envolvido e empenhado na renovação de estruturas e sistemas de produção, exposição e difusão da New Media Art — propondo modelos alternativos — com foco no contexto espanhol e, nos últimos dois anos, particularmente na cidade de Valência. Durante a minha atividade anterior em Madrid, fui vice-presidente do Spanish Institute of Contemporary Art (IAC), onde tive o privilégio de medir a "temperatura ambiente" do Sistema Espanhol de Arte Contemporânea a partir de dentro. Fi-lo com grande sacrifício pessoal, mas com a convicção de que o panorama sombrio espanhol podia e devia ser gerido a partir de dentro, a partir das próprias instituições artísticas e culturais. 
Foi um erro de cálculo grave. Não é possível, provavelmente devido ao carácter espanhol. 
De qualquer modo, a minha conclusão é que a "arte oficial" prospera na dinâmica funcional gerada pelo mercado da arte (com o seu sistema estrutural de museus e galerias de arte). Este sistema está completamente desatualizado e desligado das sinergias e dinâmicas das novas gerações, pois não consegue absorver e gerir as especificidades da nova arte digital e multimédia. 
Hoje, a arte ou é digital, ou não é, simplesmente porque os seus criadores, os artistas, são indivíduos digitais que vivem e gerem uma realidade digitalizada, sustentada por um sistema estrutural de natureza híbrida. Esta nova arte recusou ser servida pelos museus de arte contemporânea (sobretudo os grandes museus, aqueles que certificam — pontificam — o cânone artístico). E com esta renúncia (cujas razões expliquei nos últimos artigos publicados), desligaram-se do zeitgeist da nossa contemporaneidade, deixando-os disfuncionais e fora do jogo. 
Por isso, não temos outra alternativa senão olhar para aquelas poucas e humildes propostas, provenientes de iniciativas cidadãs — ou mesmo dos próprios artistas — fora de todos os assuntos públicos e institucionais e fora do sistema artístico atual, que estão a inocular novos — alternativos — espaços de produção e divulgação de todas estas novas práticas artísticas. É nestes espaços que podemos conceber e propor novos modelos que possam gerir de forma coerente e competente a especificidade destas novas práticas, desta nova arte, que rompeu com todos os cânones e todos os paradigmas tradicionais da arte.
José Pardal Pina: É o fundador do Museo Internacional de Electrografía – Centro de Innovación en Arte y Nuevas Tecnologías (MIDECIANT), um centro e museu pioneiro no estudo e arquivo de Media Art, que dirigiu até 2018. Passados trinta e seis anos desde a sua criação, qual foi o impacto desta instituição no setor cultural e nos estudos dos media?
José Ramón Alcalá: Acredito, sincera e humildemente, que a criação do MIDECIANT foi um marco na história dos museus. Primeiro, porque até àquele momento (1989) não existia nenhum museu no mundo que tivesse em conta e se dedicasse exclusivamente às artes gráficas eletromecânicas e digitais. De facto, poucos anos após a sua inauguração, o MIDE recebeu o Prémio Nacional da Real Academia Espanhola de Belas Artes "pelas suas inovações na arte gráfica". Segundo, devido à sua conceção museográfica como um "espaço gerido por artistas", ou seja, um lugar criado por e para os artistas com o objetivo de promover a criação, produção e investigação em New Media Art. Esta coleção constrói um acervo – único no mundo – e gere-o museograficamente, inventando novos modelos museográficos, que não existiam na época. Como já referi, os principais museus de arte contemporânea não tinham em conta estas novas práticas artísticas (nem o fazem ainda hoje) devido à sua complexidade, novidade e dificuldade de musealização (exposição, preservação e divulgação).
O Museo Internacional de Electrografía tornou-se rapidamente um local de peregrinação para artistas e investigadores de todo o mundo. Hoje, 36 anos após a sua inauguração, o MIDECIANT pode orgulhar-se de possuir e gerir diversas coleções permanentes (grafismo eletromecânico, grafismo digital, net art, arte multimédia, arte postal, arte fax, etc.), com mais de 130 000 peças (inventariadas e digitalizadas).
Apesar do grande número de visitas de artistas, investigadores e centros de educação artística que recebe anualmente, infelizmente, a falta de apoio e interesse da comunidade universitária a que pertence (a Universidade de Castilla-La Mancha) e de instituições políticas locais e regionais deixou o museu sem espaço expositivo e com um orçamento praticamente inexistente. As obras são armazenadas cuidadosamente (e guardadas de acordo com os padrões de qualidade) no seu armazém e centro de documentação. E como a New Media Art ainda não foi normalizada no panorama artístico (apesar dos seus mais de 70 anos de existência), podemos considerar que o MIDECIANT — e as suas coleções, oficinas e laboratórios — continuam a ser considerados um "nicho artístico".
José Pardal Pina: O que espera para o futuro do MIDECIANT em termos de missão e objetivos, e como pode esta instituição resistir ao que destacou em “Conservación de lo intangible o abandono de la idea de conservación” [“Conservação do intangível ou abandono da ideia de conservação”], como a uniformização da Web?
José Ramón Alcalá: Apesar de já não liderar o MIDECIANT (embora continue muito envolvido na sua gestão e desenvolvimento), a sua nova diretora, minha colega e amiga, a Professora de Belas Artes Ana Navarrete, está a realizar um trabalho extraordinariamente valioso. Ela entendeu que, dado que o MIDECIANT, como centro de produção, não pode atualmente continuar as suas atividades devido à falta de recursos e apoio, está a concentrar-se no trabalho de organização, arquivo, digitalização e divulgação (através da revisão e melhoria do seu website). Era, sem dúvida, necessário, dado o enorme crescimento do seu património. Este trabalho é de uma enorme complexidade, especialmente devido à dupla natureza do que acolhe: obras físicas e obras imateriais. Não esqueçamos que, ao longo dos seus 36 anos de atividade, o MIDECIANT criou, recolheu e recebeu também importantes doações de obras digitais, virtuais e online: arte multimédia, multimédia interativa, net.art e pós-produções digitais. Obras videográficas, arte gerada com Inteligência Artificial, etc. "Musealizar o intangível", como analiso em muitos dos meus artigos e publicações, é uma tarefa de enorme complexidade, sobretudo porque não há precedentes. Não existe uma cultura específica criada. Muito poucos museus no mundo apresentam atualmente coleções tão significativas deste tipo de práticas artísticas imateriais. E isso implica imaginar, conceber e implementar (ainda que experimentalmente) modelos proativos capazes de implementar dispositivos museográficos capazes de os gerir com coerência, eficiência e um certo impacto.
José Pardal Pina: Que estratégias podem as instituições desenvolver para exibir mais meios de comunicação e instalações eletrónicas que geralmente exigem recursos consideráveis? Imagino que este seja um tema polémico e sensível dentro das instituições, sobretudo com a crescente incerteza em relação ao financiamento público.
José Ramón Alcalá: Sei que a resposta que vou dar à questão que coloca será altamente controversa e será vista como uma posição demasiado radical da minha parte. No entanto, neste momento da minha vida, depois de tudo o que vivi nestes mais de 50 anos de dedicação absoluta ao mundo da arte, depois, ainda, das minhas incansáveis tentativas de mudar as coisas — de dentro para fora — e de ter tido a oportunidade, em diversas ocasiões, de exercer pressão e influenciar as coisas a partir de posições de controlo e comando, devo confessar sinceramente que desisti. Estou a abandonar essa ambição quimérica. E fi-lo porque me convenci de que não há vontade, nem interesse, nem capacidade por parte dos museus (os seus gestores e os dirigentes da instituição de arte) para assumir a sua responsabilidade e incorporar a Media Art nas suas coleções e departamentos.
Mas o reflexo mais interessante desta posição radical e pessimista — e que só recentemente me apercebi — é que talvez seja a própria abordagem que está errada: nos últimos 40 anos, temos insistido em pedir aos responsáveis pelos grandes (e pequenos) museus de arte contemporânea que assumam a sua responsabilidade de incorporar todas estas novas disciplinas e práticas artísticas sem se aperceberem de que os — erradamente chamados — museus de arte contemporânea são, na realidade, estruturas discursivas que foram reinventadas — e especificamente concebidas — para acolher, abrigar, administrar, expor e divulgar todos os movimentos das vanguardas artísticas do século XX, utilizando, para isso, o modelo museográfico conhecido por “Cubo Branco”. 
Nesta perspetiva, que entende e define os chamados museus de arte contemporânea como modelos fechados que aderem e circunscrevem o seu âmbito de interesse a práticas artísticas específicas que existiram durante um período específico da história da arte ocidental, a minha proposta (derivada desta reflexão, desta descoberta pessoal) seria sugerir que os museus de arte contemporânea atuais sejam renomeados e designados por “Museus de Arte do Século XX”. Pode parecer uma simples e inocente mudança de nome, mas tem um propósito vincado, pois implica uma verdadeira revolução que vira tudo de pernas para o ar, deixando um campo vazio pronto a ser novamente preenchido – como se de um estaleiro de obras se tratasse. Ou seja, esclarece e propõe que estes museus – que temos vindo a exigir que alarguem o seu âmbito de ação sem nos apercebermos de que não são projetados ou concebidos para esse fim – contemplem apenas um período específico da história da arte (o final do século XIX e todo o século XX, período em que se desenvolvem todos os movimentos de vanguarda). Uma tarefa que aprenderam a desempenhar com grande eficácia e autoridade, graças à utilização coerente e harmoniosa do já referido modelo arquitetónico do "Cubo Branco". 
Assim, e dentro deste novo quadro, enfrentamos agora o desafio pendente de inventar, conceber, projetar e conceber o museu para práticas artísticas do século XXI. Chega de conflitos de interesses, chega de problemas intratáveis para os gestores do que atualmente se designa por “museus de arte contemporânea”. Desta forma, esclareceríamos também a terminologia, eliminando confusões, sobretudo entre os jovens criadores e entre as novas gerações.
José Pardal Pina: Escreveu bastante sobre os aspetos culturais dos monstros e da imaginação nos meios digitais. A internet está a tornar-se o nosso próprio Frankenstein – e não digo isto como uma visão sinistra da internet, mas como uma abordagem visionária e criativa à construção de identidades?
José Ramón Alcalá: Estes “monstros” a que se refere provêm de um projeto de investigação que iniciei na década de 1990 e culminou, em 2004, com a curadoria da exposição Monsters, Ghosts, and Aliens: Poetics of Representation in Digital Art, organizada pela Fundação Telefónica em Madrid. Com base nos estudos de Arte e Teratologia desenvolvidos pelo meu admirado amigo e colega de projetos e de investigação, o artista pioneiro da New Media Art Louis Bec, propus que os imaginários da era digital (e as suas iconografias subsequentes) fossem fortemente marcados —influenciados— pelos três grandes mitos da psicopatologia humana: aquele que não é como nós e nos aterroriza (o monstro); aquele que, por não poder ser apreendido devido à sua falta de carnalidade, produz em nós desconforto (o fantasma); e aquele que nos torna vulneráveis, porque não é deste mundo e não podemos comunicar com ele (o alienígena). As narrativas digitais dos primórdios aproveitaram o poder simulador — quase mágico — dos programas de melhoramento de imagens digitais (como o Photoshop) para gerar – dar forma concreta a – todas estas tipologias de medo humano. 
A internet atual, que se assume como uma sociedade distópica face à tecnologia (que nos faz rejeitar tudo o que é tecnológico), é a combinação perfeita dos três modelos psicopatológicos descritos: perdemos a sua governação (que nos foi retirada e assumida pelas grandes corporações tecnológicas e lobbies económicos); ficamos confusos (perdidos na ansiedade de já não conseguirmos distinguir a verdade da mentira — a verdade do falso); e entramos num perigoso estado de autocontrolo (tendo de assumir — e gerir — diariamente uma identidade híbrida que ainda não domina a sua linguagem de comunicação e representação). 
Estas três situações, que nos deixam tão desconfortáveis na nossa vida quotidiana, transformaram os sonhos utópicos dos pioneiros da arte e da cultura digitais (no início dos anos 90) num mundo claramente distópico, mas não ao estilo de 1984, de G. Orwell, mas antes ao estilo de Admirável Mundo Novo de A. Huxley. E isso é realmente assustador, do meu ponto de vista.
José Pardal Pina: Podemos entender o clima político atual através das lentes das culturas digitais modernas? É possível ler a gestão política contemporânea no âmbito das novas ontologias criadas pelos reinos digitais?
José Ramón Alcalá: Não há dúvida de que os métodos operacionais que os indivíduos utilizam atualmente para gerir o seu quotidiano são condicionados pela forma como as ferramentas (tecnologias) os permitem e os definem especificamente. A deriva política na maioria dos países é consequência da forma como a política (e os políticos) chegam aos cidadãos. As constantes interferências e perversões que ocorrem na comunicação através dos sistemas de comunicação teleoperados (internet, redes sociais, etc.) estão a marcar tendências políticas que estão a transformar profundamente os paradigmas sociopolíticos. Verdade e mentira, neutralidade ou parcialidade, etc., confundem-se agora, sem possibilidade de o indivíduo as distinguir. E toda esta nova operacionalidade é consequência da enorme e inédita capacidade das novas tecnologias (especialmente algoritmos de IA) para a produzir. 
Desta forma, só a literacia digital e uma educação que tenha em conta o discernimento (como prioridade) (trabalhando os mecanismos da crítica e da autocrítica) nos permitirão restituir ao cidadão a capacidade de análise e, portanto, a autonomia funcional. O desafio educativo é trabalhar na perspetiva de um novo humanismo que alguns definem como tecno-humanismo. 
Mas o poder populista que hoje assola todas as democracias e sistemas políticos do mundo sabe perfeitamente que este é o seu maior inimigo: confrontar cidadãos instruídos e indivíduos com uma certa capacidade intelectual. Para isso, aqueles de nós que nos consideram responsáveis por mudar a situação sabem que, para isso, precisamos de mudar a nossa forma de lidar com a tecnologia. A questão subsequente é: seremos capazes de ser livres perante a máquina? Conseguiremos gerir as nossas vidas digitais com autonomia suficiente? Todos os meus esforços estão atualmente focados neste objetivo/desafio: educar a partir de um novo paradigma de ensino e criar novos modelos de produção artística e a sua disseminação.
José Pardal Pina: Qual é a sua posição em relação aos conteúdos criativos e generativos concebidos com recurso à IA e com origem em trabalhos anteriores? Concorda com os artistas e escritores que proíbem os gigantes da tecnologia de usar as suas obras? Será esta a melhor forma de lidar com as políticas de direitos de autor? Ou, para ser franco, devemos moralizar as tecnologias digitais, especificamente a IA? 
José Ramón Alcalá: Honestamente, quanto mais trabalho com a IA e aprendo sobre os seus mecanismos de funcionamento, enquanto observo e analiso os processos criativos e os resultados dos meus alunos e estudantes, mais me convenço de que vivemos rodeados de muitos mitos urbanos baseados na enorme quantidade de preconceitos profundamente enraizados na psique humana, e que isso está a levar as pessoas, os artistas e os criadores a temer a perda de controlo sobre a sua produção (apropriação dos nossos direitos de autor que nos deixa sem rendimentos económicos), da sua personalidade criativa (IA como autora que nos deixa sem trabalho), da sua intuição (IA anula a nossa imaginação e faz-nos perder o hábito de sermos artistas originais). 
O facto é que, quando se trabalha em profundidade com estes jovens artistas e os fazemos aprender a analisar, compreender, avaliar e utilizar corretamente programas de IA generativa, obrigamo-los a descobrir que todos estes medos e preconceitos atávicos eram completamente infundados. E que nenhum destes perigos deve acontecer. 
O que nos falta agora é uma cultura tecnológica e uma nova compreensão do que a Inteligência Artificial realmente implica, definindo precisamente, a partir de uma perspetiva revista — não tradicional ou canónica — aquilo a que chamamos Inteligência Humana e, portanto, o que ela implicaria, como se caracterizariam essas outras inteligências não humanas.
José Pardal Pina: A arte automatizada já existe há algum tempo. O automatismo tem sido amplamente investigado na história da arte. Como devemos ler, ouvir ou contemplar arte que não é criada pela humanidade, considerando que a criação artística está profundamente ligada aos aspetos civilizacionais, universais e temporais da experiência humana?
José Ramón Alcalá: A resposta que estou prestes a dar pode ser bastante dececionante. Mas, muito francamente, neste momento, e com base na minha experiência dos últimos três anos, considero que tentar obter resultados "não humanos" de um programa que trabalha com algoritmos de IA generativa (principalmente aqueles produtos comerciais oferecidos gratuitamente) é uma utopia. Ou melhor, constitui uma falsificação das condições processuais. Porque quando utilizo (enquanto artista, neste caso) um algoritmo, este parte de duas premissas: utilizar a sua imensa (quase infinita) base de dados (big data) para desenvolver e construir a resposta — algo que acontecerá em poucos segundos — e conectá-la com o conhecimento — se não profundo, pelo menos especializado — que ele (o algoritmo) tem de mim enquanto utilizador (conhece-me perfeitamente, mais do que eu próprio, fruto da monitorização minuciosa de cada uma das minhas ações com a máquina em cada momento do meu dia a dia). 
O que quero dizer com isto é que qualquer resultado que o programa de IA me ofereça não pode ser mais humano, pois será baseado no seu imenso conhecimento (estatístico) da História da Humanidade e na sua adaptação específica e particular ao seu utilizador (aquele artista que está a tentar produzir obras de arte através da utilização do programa e que é uma pessoa, um indivíduo que deixa vestígios identificáveis—no mundo digital— em cada ação, em cada movimento da sua vida).
Ora, se orientarmos a questão para a minha opinião sobre se é possível a IA gerar (ou alguma vez gerar) criações artísticas que não estejam relacionadas com os paradigmas de identidade do humano, então a minha resposta neste caso é “sim”; “sim, mas...”, porque, nesta altura, ainda estaríamos no domínio da ficção científica, porque a autonomia funcional (que implica, no caso da criação artística, a posse pela IA de sentimentos, intuição e emoção poética) ainda não ocorreu (ou, pelo menos, ainda não foi anunciada publicamente).