30 Set 2025
Olhando outro lugar: a 13ª da Bienal Seoul Mediacity
Ensaiopor Orsola Vannocci Bonsi
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Intitulada "Séance: Technology of the Spirit", a exposição convida os visitantes a uma viagem pela arte, tecnologia e espiritualidade, um caminho que é ao mesmo tempo histórico, cosmológico e visceral. Seul, com o seu mosaico de sistemas de crenças e religiões que coexistem com as tecnologias mais avançadas, torna-se o cenário perfeito para tal exploração.
Em 1978, a Itália registou um pico no número de avistamentos de OVNIs: segundo algumas fontes, quase mil em todo o país. Descobri esse “milagre alienígena” há alguns anos, ao ler UFO 78, um romance histórico do coletivo de escritores Wu Ming, que sugere que, num dos anos mais turbulentos da história italiana, marcado por tensões políticas e sociais, as pessoas, presas entre o medo e a esperança, optaram por olhar para o céu, procurando sentido noutro lugar.
É a partir de uma ideia semelhante que a 13ª edição da Bienal Seoul Mediacity ganha forma, sob a direção artística de Anton Vidokle, Hallie Ayres e Lukas Brasiskis. Intitulada Séance: Technology of the Spirit, a exposição convida os visitantes a uma viagem pela arte, tecnologia e espiritualidade, um caminho que é ao mesmo tempo histórico, cosmológico e visceral. Seoul, com o seu mosaico de sistemas de crenças e religiões que coexistem com as tecnologias mais avançadas, torna-se o cenário perfeito para tal exploração.
Os curadores conduzem-nos por uma trajetória que revela como, historicamente, em vários períodos de incerteza, incluindo, e especialmente, o nosso, os artistas - como xamãs modernos - se voltaram para a espiritualidade e para as práticas cosmológicas para responder às crises. Eles empregam ciências menos canónicas para expandir e aprofundar a compreensão, entrando em realidades impercetíveis ao conhecimento oficial. A bienal desenrola-se, assim, como uma sequência de portais, sonhos e adivinhações: um sabá artístico onde a própria tecnologia parece imbuída de uma dimensão espiritual.
A cor é outro elemento-chave, formando a base do design da exposição. Em vez de dividir o espaço em compartimentos rígidos, as cores fluem umas nas outras como gradientes, lembrando as suas propriedades terapêuticas, a sua capacidade de acalmar, de estimular o pensamento. O resultado é um casulo cromático, uma espécie de nave espacial mística que guia os visitantes através de sucessivas etapas de uma exploração cosmológica, mas íntima.
Na sua sede principal, o Museu de Arte de Seul, a bienal abrange momentos históricos e contemporâneos. Começa com obras do passado, como se a própria história fosse uma ponte para o futuro: os desenhos espirituais de Georgiana Houghton (1814-1884), concebidos como instrumentos para comunicar com entidades; as cerâmicas de Onisaburo Deguchi (1871-1948), criadas enquanto estava preso pelo regime imperial japonês, moldando argila enquanto entoava mantras como se contasse as contas de um rosário; e as obras de Corita Kent (1918-1986), que entrelaçou a arte pop e a religião para capturar as tensões da década de 1960. Aqui encontramos também Joseph Beuys (1921-1986), paradigma do xamã artístico, com a sua icónica obra I Like America and America Likes Me.
Há também ecos políticos do próprio passado da Coreia: Nam June Paik (1932-2006) reflete sobre o xamanismo, uma prática outrora suprimida, mas agora ressurgente, enquanto os filmes de Jane Jin Kaisen (1980) extraem tradições espirituais da Ilha de Jeju para confrontar os espectadores com os traumas e feridas deixados pela devastação histórica. Nesta perspetiva, as práticas místicas e ocultas podem ser entendidas como tecnologias — alternativas, em oposição aos sistemas extrativistas, capitalistas e financeiros — capazes de aliviar a alienação que esses sistemas produzem.
No entanto, a bienal não é apenas sobre espíritos, xamãs e memória; ela também abraça visões contemporâneas e especulativas. Johanna Hedva (1984), artista, curandeira, escritora e ativista, apresenta uma escultura cinética “alienígena” que funde arte visual e adivinhação. A instalação de Yin-Ju Chen (1977) nos convida a ver a Terra através dos olhos de uma colónia extraterrestre, questionando as condições da nossa sobrevivência. E o Cyberwitches Manifesto, de Lucile Olympe Haute (1984), conecta espiritualidade, política, tecnologia e questões de género para imaginar formas mais éticas e sustentáveis de estar no mundo.
A 13ª Bienal Seoul Mediacity apresenta-se, assim, como uma jornada onde a tecnologia não é uma adversária, mas uma companheira da espiritualidade, onde a arte e a cosmologia se encontram e se entrelaçam para propor novos paradigmas de conhecimento e cura coletiva. Assim como os italianos em 1978 escolheram olhar para os céus, esta exposição convida-nos mais uma vez a olhar para outro lugar: não para fugir da realidade, mas para encontrar, além dela, as ferramentas para imaginar o que está por vir.

A Bienal está a decorrer até dia 23 de novembro. A programação completa poderá ser consultada aqui.
BIOGRAFIA
Orsola Vannocci Bonsi é uma produtora e consultora cultural que vive em Lisboa há oito anos. No seu trabalho, promove ligações através da sua pesquisa e dos projetos que ajuda a concretizar. Com experiência como diretora comercial e galerista em várias galerias de arte portuguesas, foi também gestora de projetos e diretora artística da FEA Lisboa, fundou o coletivo curatorial Da Luz Collective e contribuiu para a programação de festivais em Itália e Portugal.
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