Technelegy, de Sasha Stiles, é mais do que um livro — é um manifesto de intimidade algorítmica. A coletânea de poemas de 2021, realizada em coautoria pela artista calmuco-americana, residente em Nova Iorque e investigadora de IA, com o GPT-2 e o GPT-3 (os progenitores do ChatGPT atual), destaca-se como um artefacto luminoso na interseção entre linguagem e código. Publicado inicialmente como edição física e espelhado digitalmente em technelegy.xyz, o projeto aponta para um futuro híbrido — um futuro que torna indistinta a binariedade da página impressa e do blockchain. Aclamado pela futuróloga Martine Rothblatt como um “tecnoclássico instantâneo”, Technelegy catapultou Stiles para a ribalta como pioneira da autoria algorítmica e da poética blockchain. À medida que o boom dos NFTs inchava, Stiles emergiu não só como uma voz essencial neste panorama literário em evolução, mas também como o seu rosto — redefinindo o lugar da poesia nas economias e nos espaços virtuais da web3. As suas performances em ambientes imersivos como Decentraland e Cryptovoxel ampliaram o público do versejar contemporâneo muito para além dos limites das antologias tradicionais e dos salões literários. Desde 2018 que Stiles tem servido de mentora de poesia para o BINA48, o androide humanoide desenvolvido pela Hanson Robotics, expandindo os limites do que significa cocriar com inteligência não-humana. Em 2021, foi cofundadora da theVERSEverse, uma galeria de poesia digital e coletiva do metaverso que organiza poetry slams liderados por avatares e vende versos tokenizados, obras de texto generativas e "blocos de texto" animados através de plataformas como a SuperRare. Guiados por um profundo envolvimento com a ars poetica e as tradições da arte visual baseada em texto, Stiles e os seus colaboradores tratam a poesia simultaneamente como um objeto literário e arte. A página inicial do theVERSEverse explicita este ethos: "Um poema = uma obra de arte". Em 2022, tornou-se a primeira escritora a apresentar obras literárias assistidas por IA numa grande leiloeira de arte contemporânea, quando a Christie’s vendeu o seu poema NFT COMPLETION: When It’s Just You — um momento marcante para a poética digital. Desde então, Stiles tornou-se uma oradora requisitada sobre o potencial comercial e conceptual dos NFTs na literatura, tendo aparecido em plataformas como Art Basel, Art Forum, Gucci, Design Wanted e Cool Hunting, bem como em instituições como o Brooklyn Museum e o The Washington Post. Na exposição Computational Poetics do Beall Center, o seu trabalho foi exibido ao lado dos luminares Nam June Paik e Rafael Lozano-Hemmer, posicionando-a solidamente dentro da linhagem da arte conceptual e mediática. Até 21 de setembro de 2025, as suas explorações poéticas da consciência artificial estão em exibição em The World Through AI, a vasta exposição no Jeu de Paume de Paris, que reúne obras de 2016 até à atualidade e que questionam a forma como percecionamos o mundo através da lente — ou da mente — da inteligência artificial. Conversámos com Sasha Stiles em Paris para falar sobre linguagem, legado e o futuro das máquinas poéticas.
Alexander Burenkov: Como começou o seu fascínio pela linguagem?
Sasha Stiles: Mesmo antes de trabalhar com IA, estava profundamente imersa na escrita — ensaios, recensões de livros, não-ficção criativa em geral — mas, acima de tudo, na poesia. Sempre foi poesia. A linguagem nunca foi apenas uma ferramenta de comunicação; era algo material, escultural e até arquitetónico. Há muito que me sinto atraída pelas suas interseções com a arte, especialmente no contexto das práticas conceptuais e baseadas em texto. Há tantas mais possibilidades do que simplesmente imprimir palavras em papel, existem muitos meios diferentes que alargam os limites da expressão. Temos um campo em expansão de meios que permitem novas formas de expressão — a linguagem pode ser espacial, performativa, digital, biológica. Fui influenciada por uma ampla linhagem de poetas experimentais e visuais — escritores concretos e assémicos, dadaístas, surrealistas, artistas Fluxus, poetas Beat, Oulipo... vozes que resistiram à monotonia da produção textual convencional e que procuraram traduzir a linguagem de formas mais dimensionais e dinâmicas. Foi por isso que fiquei particularmente entusiasmada com a secção de escrita generativa de The World Through AI no Jeu de Paume — pareceu-me uma continuação ponderada desta tradição.
AB: Algumas das suas obras mais estimulantes não são tecnológicas de uma forma óbvia — como Plant Intelligence, um poema tecnobiológico específico do local, composto por nozes e folhas dispostas em grades binárias sob a árvore que as produziu. As suas experiências com Analog Binary Code evocam as meditações algorítmicas de Vera Molnar sobre o mundo físico. Pode falar sobre isso?
SS: Com certeza. Essas peças são poemas por si só — tão-somente expressas através de matéria orgânica, em vez de tinta ou pixéis. Penso nelas como traduções: do digital para o analógico, do código para o material. Muitas destas instalações são efémeras, realizadas com elementos naturais encontrados ou perecíveis. Exploram a linguagem codificada através de uma lente tátil e refletem o meu interesse pelo espaço liminar entre o digital e o físico, entre o software e o solo. Inspiro-me muito em artistas como Kate Crawford, particularmente na sua colaboração com Vladan Joler em Anatomy of an AI System: An Anatomical Case Study of the Amazon Echo as an Artificial Intelligence System Made of Labor, que mapeia as infraestruturas materiais e humanas por detrás de tecnologias aparentemente invisíveis. Esta obra destacou-se no Jeu de Paume. Enfatiza como é fácil esquecer que a IA tem um corpo — ele existe nos servidores, nos fios, nos minerais, nas minas, no trabalho. O meu trabalho tenta frequentemente um movimento semelhante: rematerializar o virtual, trazer à tona as estruturas invisíveis dos sistemas digitais. Interesso-me pelas arquiteturas ocultas da tecnologia — e por reestruturar esses sistemas em formas sensoriais e tangíveis. Nesse sentido, sempre senti uma afinidade com Agnes Denes e Nam June Paik — artistas que fizeram colapsar os binários entre palavra e imagem, dados e arte. O uso que Paik faz de filmagens das missões espaciais Apollo e dos telescópios espaciais, a sua tradução de imagens em números — tudo isso ecoa nas minhas próprias experiências. Assim como a ele, fascina-me a forma como o código pode ser transcrito para algo tátil, até mesmo emocional. É aí que entram as minhas peças em Cursive Binary — 0s e 1s escritos à mão numa caligrafia semiassémica e em loop, quase como um desenho de Cy Twombly reimaginado para a era pós-digital.
AB: Será o artista da Bauhaus e teórico da arte Johann Itten outro herói cultural seu?
SS: É claro, admiro Johannes Itten há muito tempo — não apenas pelas suas contribuições para a teoria da cor, mas também pela forma como as suas ideias funcionam como uma linguagem de programação para a harmonia visual. O seu trabalho inspirou-me a refletir sobre a forma como as máquinas percecionam as cores, especialmente agora que temos sistemas capazes de identificar e nomear milhões de tons diferentes. A EYE é um ciclo de poemas generativos em 12 partes criado em homenagem aos princípios de Itten e foi lançado como o primeiro NFT do Kunstmuseum Bern — um código poético renderizado como artefacto digital. Para mim, este projeto fala sobre o potencial poético da perceção das máquinas. O que significa escrever para uma IA, ou com uma? Como é que um algoritmo se pode tornar um copoeta? Este é o género de questões que me guiam — e que espero que continuem a alargar os limites do que queremos dizer quando falamos de literatura, arte e código.
AB: Já realizou uma quantidade assinalável de trabalho performativo em espaços físicos, onde ecrãs interativos com poesia são ativados pelo movimento da dança dos artistas, mas online os seus poemas assumem sobretudo a forma de fotos digitais estáticas ou vídeos multimédia acompanhados de spoken word ou uma banda sonora eletrónica, cuja forma lembra os créditos outrora futuristas de Matrix ou as pinturas do clássico Ed Ruscha, que inscreveu palavras na paisagem americana. Emprega a manipulação algorítmica de versos gerados por IA, escritos em escrita binária manuscrita, para criar poemas visuais semiassémicos. Grande parte da sua poesia assume a forma de "código binário cursivo", uma escrita à mão que lembra o estilo de Cy Twombly, constituída apenas por 0s e 1s, mas escrita em caligrafia humana. Também exibiu estas letras cursivas binárias em galerias e intervenções públicas, incluindo em Times Square. Fazem eco de calligraffiti digital — um estilo de ativismo poético urbano encontrado no Egito e no Médio Oriente. A caligrafia desempenha um papel importante na sua prática?
SS: Com certeza. É uma confluência tão bonita entre arte e texto, não é? A caligrafia é onde a linguagem se torna reverente. Não é apenas funcional; é sagrada, gestual, performativa. Há algo profundamente comovente no ato físico de escrever, especialmente quando utilizo ferramentas como pincéis de caligrafia ou canetas de água. O momento em que a tinta toca no papel e começa a tomar uma forma — isso é um ato generativo por si só, distinto de digitar ou codificar. Passei anos a estudar caligrafia sob lentes históricas e experimentais, a colecionar ferramentas e a pesquisar escritos antigos. Na minha série Binary Code, às vezes até faço a minha própria tinta, a partir de fontes naturais — as nogueiras-pretas são das minhas preferidas, sobretudo porque tenho árvores a crescer perto do meu estúdio. Existe uma espécie de ritual em recolher estes elementos e usá-los para produzir algo que interage diretamente com sistemas digitais. Esta fusão do orgânico e do codificado é central na minha prática. Também reflito muito sobre a repetição — como restrições minimalistas se podem tornar meditativas, quase monásticas. Escrever poemas inteiros usando apenas 0s e 1s evoca tanto mantras budistas como lógica binária. Torna-se uma espécie de tecnoescritura, referenciando não só textos religiosos e pergaminhos medievais, mas também a abstração gestual de artistas como Twombly, Roman Opalka e outros que viam a escrita manual simultaneamente como marca e significado.
AB: A repetitividade é uma linha mestra no seu trabalho — quase uma filosofia em si mesma. Na série REPETAE, explora como o significado se acumula através de processos iterativos, tanto poéticos como algorítmicos. O projeto evoca uma espécie de recursão hipnótica — que ressoa com os estados de transe rítmico dos dervixes rodopiantes, bem como com a lógica recursiva dos modelos de aprendizagem automática. O que a atraiu para este modo de pensar?
SS: Há definitivamente um elemento de atenção plena em jogo. Já escrevi bastante sobre respiração — sobre a inspiração e a expiração não apenas como ritmos corporais, mas como metáforas para uma interface, para a voz, para a própria mediação. Nesse sentido, a repetição torna-se uma forma de presença. Quando era jovem, de visita a templos com os meus pais, sempre me impressionou o ato de contar contas de oração — repetir mantras de uma forma que espelha o ato de escrever, de codificar, de rabiscar. Há algo de profundamente meditativo e espiritual em perder-se nesse tipo de fluxo. Especialmente agora, quando o mundo parece perpetuamente sobre-estimulado, existe uma espécie de poder silencioso em voltar a atenção para algo tão elementar. Em REPETAE, também me inspirei no projeto Oszillogramme de Herbert W. Franke, e nas suas explorações da generatividade recursiva. A série tenta traçar a forma como pode emergir emoção — algo aparentemente inefável — a partir da repetição e da rutura estruturadas de padrões. Esse ritmo, esse loop recursivo, parece o pulsar da poesia, mas também a lógica do código. E quando esses ciclos são interrompidos ou ligeiramente alterados, cria-se espaço para o afeto, para o significado emergir. É uma poética algorítmica do devir.
AB: Esta ideia de estrutura e precisão — que vai até ao sinal de pontuação — soa não só a poética, mas também a computacional. Já afirmou antes que a poesia é, em certo sentido, uma espécie de protoNFT: mutável, preciosa e encriptada de forma única.
SS: Exatamente. Costumo dizer: a poesia é um código. Sempre foi. Aquilo que consideramos "dispositivos poéticos" — rima, métrica, repetição, aliteração — eram essencialmente algoritmos, tecnologias mnemónicas concebidas para preservar o conhecimento no mundo pré-letrado. Não eram apenas floreados estéticos; eram padrões funcionais, ferramentas para a memória e transmissão. A poesia era o blockchain original: cada palavra, cada linha, cada estrofe importava. Mude-se um único elemento — troque-se uma palavra, substitua-se um travessão por um ponto e vírgula — e alterou-se não só o significado, mas a magia. É por isso que considero tão importante resistir a narrativas binárias: poesia vs. código, arte vs. tecnologia, alma vs. sistema. Estas dicotomias nivelam uma verdade muito mais subtil. Para mim, a tecnologia não desumaniza; ela estende. Tendemos a ver a realidade virtual, a realidade aumentada e o metaverso como algo artificial ou menos autêntico do que a "vida real" — mas, na verdade, são as mais recentes de uma longa evolução de ferramentas que nos ajudam a simular, imaginar, ter empatia e estender a nossa experiência humana.
AB: Assim, na sua opinião, o metaverso não é a morte da humanidade, mas sim uma ampliação poética da mesma.
SS: Exatamente. Tal como a poesia nos transporta através do espaço e do tempo, permitindo-nos habitar outras identidades, as realidades virtual e aumentada desempenham uma função semelhante. Não são um desvio da humanidade — são uma continuação do nosso impulso para representar, refletir e reimaginar. A imaginação humana sempre foi a nossa interface mais poderosa. Penso que estamos agora num lugar onde a poesia — especialmente a poesia digital — pode funcionar como uma ponte entre modos de ser antigos e emergentes. Não nostálgicos, não utópicos, mas algo completamente diferente: um código especulativo para sentirmos, recordarmos e talvez até nos tornarmos.
AB: Na sua prática, a experimentação formal com a criação literária automatizada — aquilo em que a poesia se torna na era das redes neuronais — está inextricavelmente ligada a algo mais pessoal: a preservação da língua calmuca. Parte da família linguística mongólica e distinta da língua oirata, falada em partes da China Ocidental e da Mongólia, o calmuco está criticamente em perigo de extinção, sendo falado fluentemente por menos de 100.000 pessoas em todo o mundo. Para si, este envolvimento não é apenas por causa de uma questão de sobrevivência linguística — trata-se de se reconectar com a memória ancestral através de uma poética especulativa.
SS: A língua calmuca está profundamente ligada a tradições orais, musicais e de dança centenárias — ainda assim, existe quase inteiramente fora do âmbito da digitalização contemporânea. Não a encontrará no Google Tradutor nem indexada em grandes modelos de linguagem. E esta ausência, este silêncio digital, é em si mesmo um poderoso estímulo. Em muitos dos meus trabalhos recentes — como Four Core Texts: Humanifesto and Other Poems (MakersPlace, 2023) — exploro o multilinguismo como uma forma de resistência e reivindicação, entrelaçando o calmuco, o inglês e, por vezes, o mongol (utilizado provisoriamente quando o calmuco não está disponível) em sistemas poéticos que ecoam tanto o código como o cântico. Como extensão conceptual deste trabalho, tenho colaborado com a minha mãe em traduções analógicas — artesanais, iterativas, muitas vezes incompletas — de inglês para calmuco. A visão a longo prazo é registar estes poemas e fragmentos como parte de uma tecnelegia calmuca viva — um arquivo digital da língua ancestral renderizada através de voz, som, código e memória. Não sou falante nativa. O meu acesso ao calmuco é mediado — pela minha mãe, pelos arquivos, pela memória. Ela nasceu num campo de refugiados na Alemanha do pós-guerra, filha de calmucos deslocados que nunca regressaram à sua terra natal. O meu pai é britânico; eles acabaram por se estabelecer na Pensilvânia. Ao crescer, testemunhei a profunda ligação da minha mãe à sua identidade calmuca, sustentada por familiares em Elista e por uma comunidade unida da diáspora em Filadélfia e Nova Jérsia — provavelmente o maior enclave calmuco nos EUA, com cerca de 3000 pessoas. Esta comunidade construiu templos, contou histórias, preservou rituais. Era uma forma de resistir ao apagamento, de manter a continuidade apesar da fragmentação. O que me fascina é a ideia de que os sistemas de conhecimento ancestrais e futuristas não são opostos — são códigos-espelho, fazendo frequentemente as mesmas perguntas com sintaxes diferentes. Há algo de profundamente relevante na tradição oral na nossa era de redes neuronais e de espaço latente. A informação não existe numa linha temporal rígida — flutua, repete-se. Passado e futuro fundem-se um no outro, no agora. A mundividência calmuca, impregnada de folclore e memória coletiva, ensinou-me desde cedo a reverenciar a voz, a ver a linguagem como uma tecnologia sonora — um meio de codificar experiências ao longo do tempo. Esta reverência está presente em todo o meu trabalho. Sinto-me atraída pela engenharia inerente às culturas orais — a precisão estrutural das histórias concebidas para sobreviver à transmissão, para serem recordadas e recontadas. Estas tecnologias "ultrapassadas" da palavra falada são, na realidade, sistemas protomultimodais, arquiteturas iniciais de preservação de dados. Espelham o que hoje chamamos de IA áudio, metadados performativos ou scripts intergeracionais. Para mim, usar o calmuco para dialogar com ferramentas emergentes não é uma questão de nostalgia — é uma questão de continuidade. É uma questão de mapear gramáticas esquecidas para o futuro.
AB: No que está a trabalhar de momento?
SS: Ultimamente, tenho estado imersa na Epopeia de Jangar — a epopeia oral tradicional (tuuli) dos mongóis, interpretada por cantores conhecidos por Jangarchi. Considerada desde há muito tempo exclusiva da tradição calmuca, é hoje entendida como um fio condutor vital partilhado entre as comunidades oirate na Mongólia, China e Rússia. A Epopeia de Jangar tem o mesmo peso mitocultural para a identidade mongol que a Epopeia de Gilgamesh tem para a Mesopotâmia — uma narrativa fundamental, transmitida através de gerações pela voz, pela respiração e pela memória. E, no entanto, permanece em grande parte inacessível fora das suas línguas nativas: existe apenas uma tradução rudimentar e inadequada em inglês. Nos últimos anos, tenho circulado em torno deste épico — atraída não apenas pelo seu conteúdo, mas também pela sua forma: não-linear, fragmentária, viva na performance. Tenho mantido longas conversas a múltiplos níveis com a minha mãe sobre como poderão surgir traduções melhores, não apenas linguisticamente, mas emocionalmente — traduções em sintonia com o dialeto, o tom, o ritmo. É uma das razões pelas quais continuo a trabalhar com IA e tecnologias da linguagem: não para automatizar a tradição, mas para encontrar novas formas de a amplificar. O desafio é profundo. Muitos dialetos calmucos e oirates são invisíveis para as ferramentas que utilizamos — não capturados in corpora, não treinados em modelos. Assim, tenho explorado como poderemos projetar novas estruturas para nuances linguísticas: modelos que possam acomodar o deslize tonal, o ornamento sintático, a intuição semântica. É uma espécie de filologia especulativa — uma forma de pensar com e através da tecnologia, em vez de simplesmente aplicá-la. Para mim, trata-se de cultivar uma relação orgânica com os sistemas digitais — uma relação que não nivele o conhecimento, mas o enraíze. As tecnologias são moldadas com demasiada frequência por epistemologias empresariais, especialmente nos EUA, onde o foco tende a ser a eficiência, a produtividade e a monetização. Mas trazer outras vozes — ancestrais, periféricas, poéticas — para este sistema abre caminho para novas formas de conhecimento. Descentraliza o mecanismo de construção de sentido. Este trabalho ainda está na sua forma inicial. Ainda não sei onde levará. Mas a tradução — em todos os seus sentidos — continua a ser central naquilo que faço. Seja entre línguas, entre humano e máquina, entre o oral e o digital, a tradução é o sítio gerador onde convergem a poesia, a memória e a tecnologia.