A noção canónica de paisagem sonora é a de transmitir ao ouvinte sonoridades que remetam para uma determinada ideia de paisagem. Ora, sabemos há já muito tempo que a paisagem é uma construção mental humana que se refere a representações da natureza ou de outros ambientes humanos.
Que sonoridades emanam de um site? Que paisagem se pode construir a partir de um ambiente absolutamente artificial? Estas são questões que nos colocam numa posição de dificuldade e, em simultâneo, em pleno envolvimento numa lógica de desafio. Um desafio sobretudo mental. Uma construção sonora que consiga imaginar, não mimetizar, as possibilidades de uma potencial sonoridade algorítmica.
Sabemos, contudo, que os algoritmos não possuem essa qualidade intrínseca dos humanos que é a identidade. Os algoritmos são camaleónicos, na sua busca incessante de aparecerem como eficientes. Não existe nada no ambiente virtual que não seja constitutivo dessa eficiência algorítmica (a não ser por deliberada distorção, como acontece com algumas experiências artísticas, por exemplo, como o chamado glitch digital).
A paisagem sonora afasta-se, porém, das definições que remontam a Erik Satie e à sua musique d’ameublement, ou à conhecida música ambient, que apenas ocupa um espaço sonoro inócuo num ambiente (conhecida depreciativamente como música de elevador). Estamos, pois, perante uma diferenciação essencial: construir sons que remetam para o ambiente, sem, contudo, cair na sua aparente inexistência.
Uma paisagem sonora para um site será, por isso, algo que terá duas posições identitárias: primeira; a sua presença deverá ser sentida como um constituinte e acrescento dos conteúdos do site; segunda, como consequência direta desta primeira opção, a sua construção sonora deverá intrometer-se discretamente na relação estabelecida entre o utilizador e os conteúdos que está a consultar. Esta primeira proposta contempla a hipótese de utilização única de sonoridades electrónicas (paradoxalmente, os sons naturais de um ambiente artificial) como possibilidade interventiva. Uma espécie de contemplação ativa, ou seja, uma possibilidade que, apesar de aparentemente passiva, revela todo o potencial na diferença que introduz na visita dos utilizadores.
Aprendemos com Cage que o silêncio é uma das sonoridades que deveríamos privilegiar. Esse espaço está presente neste projeto de forma bem “audível”, não fosse essa uma das condições prioritárias das máquinas digitais: serem o mais silenciosamente possíveis. Diríamos com ironia que os silêncios desta soundscape são os seus espaços ocupados com os quase obrigatórios field recordings presentes nestes objetos sonoros. O outro elemento importante será a duração. Ao afirmar a sua longa duração, a paisagem sonora resiste (tenta ajudar a resistir) ao ímpeto de instantaneidade que o ambiente virtual impõe.
Esperamos que estas premissas resultem numa fruição mais intensa de um site. No entanto, tal como em todo o universo da arte, a relação estabelecida é sempre subjetiva e, por isso, serão distintas as reações à presença da mesma paisagem sonora.
Que cada um/uma determine, pois, a relação que pretende estabelecer com este objeto. Essa é uma decisão que nos ultrapassa, mas da qual estamos conscientes. Não se trata, portanto, de um qualquer objeto invasivo, intrusivo ou impositivo. Trata-se, antes, como em toda a fruição estética, de acumular uma experiência a outras que se estão a ter.
Mas, para tal, é necessária uma expectativa de sentido que permita essa abertura e é, igualmente, essencial que a temporalidade se estenda para lá da “normalidade” do scrolling tão habitual nestes ambientes. Só assim fará sentido a existência da paisagem sonora. Só assim o projeto construído poderá provocar a ressonância tão necessária aos objetos artísticos.
Tudo o que até então foi referido dependerá, antes de mais, do que cada utilizador desejar da sua visita ao site. Este afirma-se somente como mediador entre um objeto já construído e a vontade de querer escutá-lo. E essa é uma decisão individual e livre. Tão livre quanto a existência deste objeto sonoro.