Entre os possíveis usos da palavra "tropo", um deles é a prática musical de adicionar ou sobrepor materiais novos a uma obra pré-existente.
Partindo do convite do artista Fernando José Pereira e da primeira paisagem sonora que ele próprio criou para a Umbigo.space, esta segunda composição retoma a ideia do tempo dilatado como uma utopia de escuta frente à implacável aceleração da atenção nos meios digitais, e expande a sua linearidade para um eixo vertical, instalando-se em outros lapsos possíveis definidos pela simultaneidade ou pela sedimentação. Assim, Tropo existe em si mesma como criação autónoma, possui a sua própria identidade, mas pode dobrar-se sobre a peça com que Fernando inaugurou esta série. Tropo é, em última instância, uma dobra, como diria Deleuze. Em muitos sentidos, um desdobramento que “se torna acumulação”.
É uma composição realizada única e exclusivamente a partir dos sons gerados pelo órgão ibérico da Universidade de Santiago de Compostela, um dispositivo construído entre 1800 e 1802, datas que permitem ainda o revelar de características que seguem os padrões do Barroco. As suas possibilidades tímbricas repousam em grande parte na multiplicidade de registos sonoros que podem ser combinados e sobrepostos, enquanto são alimentados pelo ar insuflado pelo fole, construído “dobra sobre dobra”, e que forma a reserva de ar com a qual se controla a pressão.
Mas Tropo é, acima de tudo, uma dobra cronológica, onde se propõe um possível diálogo entre os sons criados digitalmente e aqueles exalados por um instrumento acústico que, após mais de 225 anos, continua plenamente vigente e em rebelião contra uma obsolescência que, na maioria dos casos, responde mais a questões e interesses marcados pelo capitalismo tecnológico do que a propostas estéticas ou simbólicas.
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A rubrica Soundscape tem curadoria de Fernando José Pereira