article
Como falar sobre a morte se nós ainda não morremos: A Vida Imóvel na Quinta da Ribafria, em Sintra
DATA
24 Nov 2023
PARTILHAR
AUTOR
Maria Eduarda Wendhausen
Na segunda etapa do ambicioso projeto O Museu Fora de Si, intitulada A Vida Imóvel, somos convidados a explorar a interação entre as obras da Coleção Municipal de Arte de Sintra, entre as peças provenientes de outras coleções do Município, assim como entre as obras de Fábio Colaço e Pedro Cabrita Reis na exposição patente até o dia 14 de janeiro de 2024 na Quinta da Ribafria.

Na segunda etapa do ambicioso projeto O Museu Fora de Si, intitulada A Vida Imóvel, somos convidados a explorar a interação entre as obras da Coleção Municipal de Arte de Sintra, entre as peças provenientes de outras coleções do Município, assim como entre as obras de Fábio Colaço e Pedro Cabrita Reis na exposição patente até o dia 14 de janeiro de 2024 na Quinta da Ribafria. A exposição reúne uma variedade de obras e objetos que tanto representam, quanto funcionam como elementos do quotidiano, adquiridos em contextos de interação cultural, que associam-se a partir da premissa da natureza-morta.

A natureza-morta, majoritariamente encontrada na pintura, floresceu nos Países Baixos no início do século XVI, contando com contribuições de pintores alemães e franceses, tendo reverberado também em menor escala em Espanha e Itália. Motivos de natureza-morta eram frequentes em manuscritos e pinturas dos anos 1400 e 1500, muitas vezes simbolizando qualidades religiosas. No século XVII, apesar de comissionadas no limiar do escopo cristão, as pinturas continuaram a carregar significados sociais moralizantes, como em Still Life with a Skull and a Writing Quill (1628) de Pieter Claesz. O termo que designa o género apresenta duas variantes, nomeadamente natureza-morta nas línguas latinas e vida imóvel nas línguas anglosaxónicas. Em ambos os casos, a terminologia que batiza o género refere-se à representação daquilo que não se move, consequentemente do que está morto.

A curadoria, realizada por Victor dos Reis, ainda faz um paralelo com o período no qual as naturezas-mortas floresceram com o crescente aparecimento de gabinetes de curiosidades nas famílias da aristocracia europeia. Nas palavras do curador Combinando botânica, zoologia e mineralogia, para referir apenas três domínios da história natural, e um olhar atento à cultura material do quotidiano, considerada até aí sem valor estético intrínseco, a natureza-morta – em inglês, still life – tornou-se um elaborado exercício estético e artístico em torno da dimensão vital do mundo à nossa volta, seja ele imóvel, suspenso ou apenas expectante”.

Este exercício acerca da dimensão vital do mundo à nossa volta, nos faz questionar enquanto visitantes da exposição, aquilo que Heidegger chamou de uma “iminência que ameaça”. E, o que é esta certeza propulsora materializada nos objetos expostos? Sim, ela mesma, a morte.

Mas, como falar sobre a morte se nós ainda não morremos? Descartando o pretensiosismo que acompanha o assunto do ensaio, é um fato constatarmos que somos seres lançados para a morte, onde a propulsão de vida invariavelmente acontece pois temos a morte como o nosso horizonte.

Ou seja, nós humanos somos seres de projeto, pois justamente temos a morte como uma pedra nos nossos calçados. Que, entretanto, estamos sempre a sentir, mas nunca vamos conseguir nos livrar. E, então, qual é a consequência prática desta condição terrível? Criamos a dualidade: a vida e a morte, onde enterramos pessoas ao lado de tigelas de cerâmica, construímos mastabas e posteriormente pirâmides, embalsamamos corpos imóveis, pensamos sobre o paraíso, elaboramos um inferno, saqueamos cidades, construímos cidades e guardamos objetos.

Guardar objetos e colecioná-los em vida é um ato de morte. Um ato verdadeiramente humano, que constitui hoje uma interessantíssima exposição na Quinta da Ribafria, em Sintra. A partir de fósseis, cerâmicas, cartas perdidas destinadas ao futuro, corais e um Xanax de ouro, assim como diversos outros objetos, somos convidados a pensar sobre a vida imóvel, enquanto sentimos na pele os lampejos da nossa natureza humana.

PUBLICIDADE
Anterior
article
Zonas de Transição: obras da Fundação PLMJ na Cordoaria Nacional
22 Nov 2023
Zonas de Transição: obras da Fundação PLMJ na Cordoaria Nacional
Por Laurinda Branquinho
Próximo
article
The Mouth of Krishna de Albarrán Cabrera na Galeria In The Pink
27 Nov 2023
The Mouth of Krishna de Albarrán Cabrera na Galeria In The Pink
Por Ana Isabel Soares