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Fruta Feia de Nuno Henrique
DATA
24 Fev 2020
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AUTOR
Joana Valsassina Heitor
ENDIVE SMOKE / PINK ORCHID / ENDIVE SEAFOAM /  YELLOW / YELLOW OFF WHITE / CELERY CELERY / SEAFOAM STEEL / SLATE / SLATE STEEL   O que será isto? Uma sequência arbitrária de palavras, uma mensagem codificada ou um poema insólito… uma escala cromática,…

ENDIVE

SMOKE / PINK ORCHID / ENDIVE

SEAFOAM YELLOW / YELLOW

OFF WHITE / CELERY

CELERY / SEAFOAM

STEEL / SLATE / SLATE

STEEL

 

O que será isto? Uma sequência arbitrária de palavras, uma mensagem codificada ou um poema insólito… uma escala cromática, um rol de signos, o registo de uma cena ou a descrição de uma paisagem. É tudo isto e é também parte de Fruta Feia, a mais recente exposição de Nuno Henrique, patente na Galeria Módulo, em Lisboa.

Fruta Feia integra cerca de 40 desenhos, lendo-se, contudo, como uma única composição de cor, ritmo e forma. Os desenhos povoam despreocupadamente as paredes da galeria, dispersos em extensão e altura e agrupados em pequenas séries que apresentam subtis variâncias no traço e na cor. Cada desenho é montado sobre tecido de encadernação colorido, material que nos remete para a experiência de Nuno Henrique no universo da publicação e do livro de artista. Os termos que marcam esta invulgar “lista de obras” – endive, smoke, pink orchid, seafoam, yellow, off white, celery, steel, slate, coffee e taupe – nomeiam, na verdade, os pantones destes tecidos e a sua sequência marca o ritmo cromático da instalação. A paleta de cores é já familiar, dado que percorre toda a obra do artista, unindo um corpo de trabalho que transpõe os campos do desenho e da escultura.

São múltiplos os caminhos percorridos por Nuno Henrique que se cruzam agora em Fruta Feia, um projeto repleto de referências à sua prática artística, que se desenvolve em movimentos cíclicos de regresso a um qualquer ponto de origem – na paisagem da sua ilha natal e no território urbano que habita; no cânone artístico e na crónica histórica; na mitologia e no quotidiano.

A origem deste novo trabalho é o seu próprio trabalho, a pesquisa é interior. As formas que se repetem nas paredes da Galeria Módulo foram recuperadas dos cadernos de esquissos do artista, constituindo, como explica, “interpretações e ampliações de rabiscos mínimos perdidos entre desenhos de estudo; medições; cálculos de IVA; orçamentos; diagramas; listas e o que mais que seja preciso anotar no corrupio do pensamento”. Surgem garatujas abstratas, formas de contornos reconhecíveis, registos que evocam projetos anteriores. Cria-se uma coleção de símbolos visuais que transportam significados e memórias de outros tempos e trabalhos e que ganham aqui vida própria. Os contornos que deciframos são provavelmente distintos dos que o artista esboçou inicialmente, e distintos também de como mais tarde os interpretou.

Matéria e técnica são aqui centrais. Porque cada peça é apenas papel, desenho e suporte são um e o mesmo. Para este trabalho, Nuno Henrique foi também à origem do material, produzindo o papel de raiz num processo longo e delicado de manufatura. Os rabiscos que recuperou, foi redesenhá-los durante o processo de fabrico do papel, delineando os seus contornos com pasta de papel branca sobre a folha colorida ainda fresca. Tive oportunidade de visitar o artista no estúdio Dobbin Mill, em Brooklyn, quando se dedicava a esta fase processual, testemunhando o cuidado na criação da polpa de papel, na calibração da sua densidade, na afinação dos pigmentos, na manipulação dos moldes e das prensas, na repetição dos exercícios de desenho, na consideração por cada passo e compasso de espera. São exercícios repetidos, demorados e meticulosos como este que dão corpo e tempo à sua prática ritualística.

A matriz de citação e as camadas de interpretação inerentes a Fruta Feia aproximam o trabalho do campo linguístico, de uma “proto-linguagem”, como escreve Francisca Carvalho no texto da exposição. Redescobrir os rabiscos desenhados pelo inconsciente, recuperá-los e redesenhá-los para compreender e interiorizar, é como aprender a escrever, como praticar exercícios de caligrafia. Nesta experimentação consciente com o inconsciente surge também uma peça de som que preenche o espaço da galeria. Em Taquara, termo brasileiro para cana rachada, uma voz interpreta cada desenho como signo sonoro, lendo a exposição como uma partitura.

A sugestiva aliteração do título expande as associações à matéria e à cor – polpa de fruta, polpa de papel. Os signos repetem-se dando cadência a cada série, onde a variação de cor salienta cada nuance no traço. O desenho existe antes do papel: desenhado em ausência numa outra folha, aqui surge como se sempre lá estivesse. Como disse em tempos Samuel Silva acerca da prática do artista: “o trabalho do Nuno é sobre estar sempre a fazer a mesma coisa. O desafio não é procurar fazer coisas diferentes, mas procurar formas diferentes de fazer a mesma coisa”. Em Fruta Feia, Nuno Henrique revisita as formas do seu pensamento, como vem revisitando outras facetas da história e da memória, num processo cíclico de (re)conhecimento de si.

Fruta Feia está patente na Galeria Módulo – Centro Difusor de Arte, em Lisboa até 7 de março.

 

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