Pensada sobre o título Camino Irreal, com curadoria de John Romão, a BoCA 2025 recupera não só o termo ‘Camino Real’ — que remete para uma rede de estradas régias que, sobretudo a partir do século XVI, construíram para a consolidação da monarquia espanhola e para o crescimento do império ultramarino — mas inaugura também uma nova travessia ibérica, que desafia os limites geográficos, culturais e imaginários.
“Dentro deste imaginário da deslocação — que está também ligado à história da colonização espanhola —, e uma vez que temos vindo a trabalhar com temáticas pós-coloniais e com políticas desviantes, fiz o exercício de inverter o 'real' para o 'irreal' e perceber o que ressoava dentro dessa mutação", explica o curador em entrevista com a UMBIGO. Camino Irreal é, assim, uma proposta que parte da ideia de travessia para propor outros mundos possíveis. “Pareceu-nos interessante pensar que o irreal abraça, através da criação artística, uma dimensão de imaginação e de resistência. Não estamos à procura de respostas, mas de alternativas que nos permitam entender o presente e construir o nosso futuro”, acrescenta.
As obras e os projetos que serão apresentados na Bienal, em estreia nacional e internacional, convocam futuros especulativos e gestos de insubmissão simbólica. Nesta edição que pretende espelhar o tecido cultural de ambos os países, “fomentando a criação contemporânea num contexto internacional” e “resgatando algumas relações entre artistas de Portugal e de Espanha que ficaram suspensas no tempo”, são três os principais eixos que sustentam a programação: a promoção de colaborações entre artistas portugueses e espanhóis; a celebração das relações institucionais, muito escassas, entre as duas capitais; e a inauguração de novas novas relações artísticas e parcerias institucionais.
Destacam-se os diversos projetos criados em dupla, como Uma ficção na dobra do mapa, uma colaboração entre os coreógrafos e bailarinos Elena Córdoba e Francisco Camacho — que retoma uma residência artística desenvolvida em 2015 no Festival Citemor —; o concerto-performance El cante rasgueado, de Niño de Elche e Pedro G. Romero, resultado de um período investigação artística na raia ibérica, que explora o som e as manifestações populares que coexistem nos territórios fronteiriços; e o espetáculo Os Rapazes da Praia Adoro, de João Gabriel e Alberto Cortés, que imagina o encontro de dois corpos masculinos numa praia — uma espécie de buraco espaço-temporal, um paraíso queer, íntimo e ficcional.
A relação institucional entre a Cinemateca Portuguesa e a Filmoteca Española ganha corpo através do ciclo Malamor / Tainted Love, com curadoria de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, que propõe pensar o cinema como um “território afetivo, político e inclassificável”. O ciclo, que decorre entre setembro e outubro, inclui ainda duas criações inéditas: a estreia mundial da curta-metragem 13 Alfinetes, encomendada pela BoCA, e a instalação fílmica Sem Antes Nem Depois, patente na Sociedade Nacional de Belas Artes.
No domínio da criação interdisciplinar, a BoCA apresenta a ópera Adilson, dirigida por Dino D’Santiago, a partir do texto Serviço Estrangeiro de Rui Catalão e da direção musical de Martim Sousa Tavares. O espetáculo, que será apresentado no MAC/CCB entre os dias 12 e 14 de setembro, questiona a invisibilidade, a injustiça social e os os labirintos burocráticos da imigração e da identidade.
No campo da instalação performativa, Kiluanji Kia Henda apresenta Coral dos Corpos sem Norte, um projeto sobre deslocação, fronteiras e pertença que conta com um espetáculo de teatro, apresentado em parceria com o Teatro Nacional D. Maria II, e uma instalação de grande escala que contempla ativações performativas pontuais, desenvolvido em parceira com o MAAT.
A Bienal acolhe também o projeto Palavras e Gestos, que convida Tiago Rodrigues, Patrícia Portela, Angélica Liddell e Rodrigo García a escrever e dirigir criações inspiradas em obras da coleção do Museu do Prado, em Madrid, ativando novas leituras através da performance. O resultado será um conjunto de quatro performances, com duração aproximada de 30 minutos cada, que constituirão um percurso noturno e à porta fechada, ao qual o público é convidado a participar no Museu do Prado.
Segundo John Romão, esta é talvez a edição mais ambiciosa da BoCA, quer ao nível da escala, quer do investimento financeiro. “Mas o desafio tem sido sobretudo o da gestão logística entre dois países, com modos de funcionamento institucionais diferentes, com diferentes calendários. Fazer essa articulação foi exigente, mas também muito entusiasmante”, acrescenta. Ao mesmo tempo, sublinha que “é a primeira vez que a Bienal abre um espaço próprio”. Localizado em Santos, Lisboa, o novo espaço BoCA acolherá uma programação contínua durante a Bienal, constituindo-se como um lugar de encontro, de escuta e de criação contínua.
A programação da BoCA 2025 arrancou ontem, no MNAC e nas Carpintarias de São Lázaro, com a inauguração da exposição Dialecto, onde o artista colombiano Felipe Romero Beltrán convoca a fotografia, o documentário e performance para questionar as práticas da opressão burocrática. Poderá consultar mais informações sobre a programação aqui.