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El Lenguage de las cosas mudas, no Museo de Arte Contemporánea de Vigo
DATA
26 Mar 2025
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AUTOR
Mafalda Teixeira
Como uma caminhada ou um livro que vamos folheando, numa história que se constrói a cada passagem, percorremos as diversas salas que, como momentos, compõem a exposição El Lenguage de las cosas mudas, de Susanne S.D. Themlitz (1968), em exibição no Museo de Arte Contemporánea de Vigo (MARCO).

Como uma caminhada ou um livro que vamos folheando, numa história que se constrói a cada passagem, percorremos as diversas salas que, como momentos, compõem a exposição El Lenguage de las cosas mudas, de Susanne S.D. Themlitz (1968), em exibição no Museo de Arte Contemporánea de Vigo (MARCO). Entre esculturas em gesso, vidro ou cerâmica; instalações; pinturas; desenhos; textos e fotografias, mergulhamos em momentos de suspensão, confrontamo-nos com questões de escala e perspetiva e refletimos sobre noções de ausência e presença num corpo de trabalho cuja transdisciplinaridade sobressai na importância atribuída aos materiais e técnicas sem esquecer a relação com o espaço expositivo.

Ao entrarmos na primeira sala dedicada à mostra, uma sensação de acolhimento invade-nos, potenciada pela instalação Dentro. Suspenso, 2024, que, numa fusão com o espaço arquitetónico que a recebe, impele-nos ao seu encontro. Grandiosa e poética, a instalação visual e sonora construída com canas de bambu, estende-se infinitamente pelo espaço -do chão ao tecto – ocupando-o como uma paisagem, emergindo-nos numa experiência performativa e intimista através da qual desvendamos camadas que se intercetam dentro de uma lógica de sobreposições reais e metafóricas.

Percorremos fisicamente a instalação, integrando-a numa experiência contemplativa e sensorial. As texturas, os cheiros e os sons à nossa passagem, ocupam e preenchem a sala numa fusão e diálogo entre exterior/interior, numa relação de intimidade entre o visitante, a natureza e o tempo que ultrapassa a contemporaneidade. Qual jogo geométrico, arquitetónico e de equilíbrio, a disposição horizontal e vertical das canas de bambu cria um desenho tridimensional no espaço, que está também presente – como fantasmagoria – nas sombras que se projetam ao longo das paredes, denotando a presença da ausência. Acompanhados por um som semelhante ao de sinos, que elementos suspensos criam ao embaterem contra objetos de vidro com a ajuda do vento, observamos os diferentes elementos que integram a estrutura de bambu – incluindo folhas de eucalipto da Galiza- e que, uma vez pendurados, nos remetem para a ideia de tempo em suspensão. A partir do nosso corpo e sentidos atravessamos a instalação, medimo-nos a nós mesmos e ao espaço, integramos a paisagem onde, segundo a artista, podemos mergulhar em termos de memória, em termos físicos e estarmos também em suspensão.

A importância que o espectador assume no trabalho de Susanne Themlitz, permitindo-lhe traçar um percurso físico e tornando-o parte da escultura, assim como o apelo imediato aos sentidos acompanha-nos ao longo da mostra, em obras cuja análise e observação atentas pedem um caminhar lento e desperto. Quais objetos descobertos numa expedição arqueológica, contemplamos, num segundo momento, diferentes artefactos objetuais, artísticos e híbridos cujo caráter intimista, proporcionado pela cenografia, acentua um ambiente de estudo e de arquivo. Em mesas – provenientes das reservas do museu – que se estendem por quase toda a sala longitudinal, a instalação Transformatório (Laboratório de desenho), 1986-2024, revela um gabinete de curiosidades, objetos e materiais que, coletados e manipulados pela artista ao longo de mais de trinta anos, compõem o seu arquivo pessoal.

Corais, pedras, fósseis, peças de cerâmica encontradas e transformadas; moldagens em gesso e barro; conchas vazias; máquinas de criar imagens (lupas, espelhos, cristais, objetos de vidro esféricos, côncavos ou convexos); postais de Vigo; musgos, entre outros elementos, emergem-nos num universo macro e microscópico que convoca a experiência do olhar e do tempo. De destacar nas mesas-paisagem os trabalhos que, assemelhando-se a corais, foram concebidos em gesso líquido pela artista que os colocou em areia para solidificarem num determinado momento – originando formas e desenhos fora do seu controle – a que Themlitz designa de congelação, numa reflexão sobre o antes e o depois que associamos à ideia de suspensão da primeira instalação. A propósito da presença de lupas, estas servem para analisar o interior das pequenas obras permitindo maneiras diferentes de ver as coisas, revelando mundos escondidos, assim como os cristais que possibilitam a inversão de imagens, numa exploração de perspetivas, escalas e medidas que interessam à artista. Conceitos de presença e ausência são também analisados na instalação através de recortes em papéis A4, assim como o caráter transformatório do próprio laboratório de desenho que, fazendo jus ao seu nome, está em constante mutação e crescimento com a incorporação de peças realizadas por crianças e adultos nos ateliers do serviço educativo do Museu. Sentimentos de impermanência, de transformação e transmutação que se estendem às obras pictóricas que pontuam o espaço, nas quais se revelam fragmentos de paisagens, a linha e a tinta – que, em algum momento, se solidifica.

Numa oscilação entre passado e presente, entre o cruzamento de momentos e temporalidades diferentes que nos conduzem a processos de desocultação e descobertas constantes, o grandioso díptico Reflexo do Lugar ao Lado, 2021, revela configurações de uma paisagem inspirada no jardim botânico do Palácio da Cerca em Almada. Qual viagem a um lugar, Themlitz oferece-nos instâncias do jardim que reimagina e reinterpreta num reflexo que acumula diferentes elementos. Momentos de congelamento, de suspensão e de recordações que se materializam em manchas de cor, linhas e imagens fantasmagóricas que evocam a água, as nuvens, o céu, as árvores e o vento espelhados na superfície. Num diálogo interessante com a pintura, duas pequenas peças em terracota exibem-se numa estrutura elevada pré-existente, aproveitando a configuração arquitetónica do espaço, potenciando uma leitura e visão horizontal sobre a mesmas.

Prosseguimos viagem pelo universo e paisagens da artista até uma sala que, banhada por luz natural, surge povoada por criaturas e presenças extraordinárias – peças escultóricas permeadas de reminiscências humanas, zoomorfas e fantasmagóricas – em diálogo com duas pinturas Ma (2022) e Ponto de Vista. Silêncio. Escuro (2017). Seres híbridos, antropomórficos que se materializam em pequenas esculturas e outras de tamanho natural (próximas da escala do espectador) cujos corpos, compostos por materiais diversos, estão cobertos com roupas. Circulamos entre o real, o imaginado e o simbólico, numa relação do nosso corpo com esculturas de diferentes escalas que, evocando uma dimensão fantástica e onírica, nos transportam – num momento de suspensão temporal – para o universo da mitologia, da ficção científica e das histórias infantis.

Na sala seguinte, a instalação O silêncio ao lado (Entre seres e paisagens), 2000-2024, emerge num ambiente de estudo e trabalho, em que mesas cuidadosamente dispostas no espaço exibem um espólio artístico, documental e fotográfico. O interesse da artista pela história dos objetos que coleciona, ora sistematizando-os de forma poética, ora colocando-os em relação com outros objetos, revela-se nos diversos elementos que compõem a instalação – esculturas, pedras, cerâmicas, desenhos, colagens e fotografias – bem como nos próprios expositores e vitrines resgatados dos armazéns do museu. Entre esculturas de seres fantásticos e sem género – entre o humano e o animal – o gesto, o silêncio e a ideia de presença/ausência são explorados nas colagens, nos recortes de fotografias e versos e no simbolismo das conchas de caracóis.

A importância da palavra na prática artística de Themlitz, para quem texto, objeto e imagem possuem o mesmo valor, é visível em obras nas quais estes elementos estabelecem diferentes narrativas, criando paisagens mentais. A este propósito destacamos A palavra debajo de la lengua, 2023, em que palavras e imagem se entrelaçam numa pintura de paisagem, num espaço aberto à nossa interpretação.

A presença da escrita como silêncio, o caráter imediato da palavra e a possibilidade de criar camadas no campo imagético dos quadros acompanha-nos na última sala dedicada à exposição. À semelhança dos gessos e cerâmicas que se solidificam, originando cores e formas num momento de congelamento, observamos três telas cujas manchas, resultantes do processo de verter tinta líquida e de decalcomania, criam – num apelo ao acaso – sugestões paisagísticas a que a artista acrescenta, numa provocação, frases estampadas.

A encerrar a exposição, dando continuidade ao sentimento de transformação que acompanha a mostra, observamos uma espécie de Atlas, La pared de ámbar, 2023-2024, em que cartazes impressos com desenhos da artista e fotografias de lugares foram digitalmente transformados como colagens e ampliados, criando um enorme mural. Qual papel de parede que se estende até ao tecto, a obra convoca o nosso tempo e olhar, num jogo de descobertas ditado pelo ritmo e fluxo das imagens que, entre manchas e explosões de cores, sombras e texturas nos revelam num todo as várias paisagens que inspiram Susanne Themlitz.

A exposição está patente até dia 13 de abril.

BIOGRAFIA
Mafalda Teixeira mestre em História de Arte, Património e Cultura Visual pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, estagiou e trabalhou no departamento de Exposições Temporárias do Museu d'Art Contemporani de Barcelona. Durante o mestrado realiza um estágio curricular na área de produção da Galeria Municipal do Porto. Atualmente dedica-se à investigação no âmbito da História da Arte Moderna e Contemporânea, e à publicação de artigos científicos.
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