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Entrevista a Rui Brito, no âmbito do 60.º aniversário da Galeria 111
DATA
02 Jul 2024
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AUTOR
Carla Carbone
No ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril, revolução que constituiu, para a altura, em 1974, uma acentuada esperança para o país, a Galeria 111 faz 60 anos.

No ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril, revolução que constituiu, para a altura, em 1974, uma acentuada esperança para o país, a Galeria 111 faz 60 anos.

Rui Brito, atual responsável pela galeria, referiu que as primeiras exposições se realizaram em 1964, e contaram com a participação dos então jovens artistas Joaquim Bravo, Álvaro Lapa, António Palolo, Santa Bárbara e António Sena. Na época, a Galeria 111 já integrava no seu programa de exposições, pelo seu fundador Manuel de Brito, jovens artistas que nunca tinham exposto. Nos anos que antecediam o 25 de Abril, Manuel de Brito estabelecia, para a galeria, um espaço de tertúlia, de reunião de intelectuais e artistas.

Rui Brito lembra, em entrevista, que a Galeria 111, hoje uma galeria consagrada, “começou primeiro por ser uma livraria, e um lugar ‘rebelde’, onde se conspirava contra o regime, e se reuniam músicos, artistas plásticos, e homens do teatro”. Era também na galeria, quando era ainda livraria, que os livros proibidos pelo regime circulavam. Na altura, segundo Maria Arlete Alves da Silva[1] – que, em conjunto com Rui Brito, filho do fundador da galeria, continua a adquirir obras para a coleção Manuel de Brito –, a “PIDE estava ativa e vigilante. A livraria foi visitada regularmente por agentes que faziam apreensões de livros desde a sua abertura, em 1960, até abril de 1974”.

No seio desta resistência ao regime, a livraria foi, pouco a pouco, transformando-se numa galeria, que transmitia a preocupação incessante de Manuel de Brito em construir um património de obras que, ainda hoje, tornam a 111 uma galeria única na cena artística portuguesa. Importante referir, também, a proporção que atingiu em matéria de arquivo histórico e de documentação, sobretudo catálogos, livros, artigos de imprensa, entre outros registos, e que ajudam a construir uma memória sólida da arte portuguesa[2].

São 60 anos de história: Rui Brito relembra o temperamento de seu pai, que, além do esforço e desejo em fazer crescer uma galeria, procurou sempre o fazer sem perder a preocupação em apoiar e dignificar os artistas. Manuel de Brito nunca esqueceu o lado humano, o sentido do companheirismo. A coleção Manuel de Brito, da Galeria 111, cresceu da “cumplicidade” do seu fundador com os artistas, e da “grande ligação afectiva” que estabeleceu “com quase todos”[3].

Rui Brito mencionou, em entrevista, que a dimensão humana se mantém na galeria, e no seio de uma iniciativa independente, promove-se a divulgação da arte às camadas mais jovens, com visitas regulares ao espaço. Também permanece, segundo o responsável da galeria, um lugar que pretende ser acolhedor, um refúgio, um espaço de conhecimento profundo sobre arte e de contemplação. O lugar que agora ocupa a Galeria 111 reúne, além disso, segundo Brito, as condições para ser um espaço capaz de receber, nos termos técnicos e expositivos, todas as áreas artísticas, como a escultura, o vídeo, a instalação, a pintura ou o desenho.

A Galeria 111 mantém um programa dinâmico e aberto de atualização do seu espólio. Continua a integrar jovens artistas no seu plano de exposições, tal como Manuel Brito o fazia, e conforme estabeleceu na primeira exposição que realizou em 1964.

Num esforço constante de renovação, Rui Brito abre, em 2003, no Campo Grande, o espaço CAMB (Centro de Arte Manuel de Brito), sem fins comerciais, com o objetivo de divulgar obras da coleção Manuel de Brito. É no CAMB que se revelou, este ano, uma exposição comemorativa dos 60 anos da galeria. Exposição que desvendou mais de 200 obras, e onde estiveram representados “quase todos os artistas que exibiram as suas obras na galeria ao longo destes anos”[4].

Rui Brito salienta, sobre esta grande exposição, que é possível detetar a transformação, ao longo de décadas, do uso e aplicação de materiais e técnicas pelos artistas. Também podem ver-se obras significativas do panorama político da época em que foram realizadas. É de destacar, em conjunto com outras obras muito importantes presentes na exposição, a impressionante explosão de cor de uma obra sem título de António Palolo, em guache sobre papel, e que foi realizada quando o artista se encontrava a combater na Guerra do Ultramar, em 1968.

Antes, no CAMB, foi também possível ver uma grande exposição da obra de Mário-Henrique Leiria, ele que foi poeta, pintor, crítico de arte, crítico literário, tradutor, gráfico e editor[5]. Posteriormente, foi realizada a exposição de Ruy Leitão, mostra que foi “considerada, pelo semanário Expresso, uma das dez melhores de 2023”[6].

A exposição comemorativa dos 60 anos também revelou os artistas estrangeiros que integram a coleção de Manuel de Brito, nomeadamente Arman, Arpad Szenes, Vasarely, Antonio Segui, Jurgen Claus, entre muitos outros. Segundo Rui Brito, o primeiro artista estrangeiro a expor na Galeria 111 foi Sonia Delaunay.

Atualmente, está patente na Galeria, até 7 de setembro, a exposição coletiva Nunca se está sozinho, composta por cinco artistas brasileiros residentes em Portugal que exploram, através da pintura, a história e o mito de São Jorge.

 

 

[1] Maria Arlete Alves da Silva, na folha de sala das exposições comemorativas do 60.º aniversário da Galeria 111.
[2] Ibidem.
[3] Ibidem.
[4] Ibidem.
[5] <https://www.agendalx.pt/events/event/centenario-do-nascimento-de-mario-henrique-leiria-1923-2023/>.
[6] Ibidem.

BIOGRAFIA
Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador.
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