Abbott Thayer foi pintor, naturalista e professor no final do século XIX e início do século XX. Dedicou boa parte da sua vida a estudar os fenómenos de camuflagem na natureza. Também conhecido pelas belas figuras aladas que representou, pinturas de anjos com asas vigorosas e anatomia correta. Ainda assombram e fascinam.
Duas reproduções de obras do artista surgem na exposição Camouflage. A primeira, uma cópia da obra Sunset and Roseate Spoonbills (Concealing – Coloration in the Animal Kingdom). O original compreende uma litografia, colorida com aguarela, colagem e lápis, 1909. Na galeria pode ver-se também uma reprodução, originalmente realizada em aguarela, da obra Study of Ships with Five Colors, 1910. Um barco surge repetido sobre fundos de diferentes cores, reforçando a importância perceptiva, e dicotómica, da forma-fundo, no processo de camuflagem dos objetos, experiências que Thayer reproduziu e que se provaram ser úteis no cenário das operações militares da primeira grande guerra.
Hunting Blind (2009-2025), de Claudia Fisher, surge ao lado das obras de Thayer. A exposição denota um apurado cuidado na relação e articulação entre as diferentes obras expostas. Dialogam entre si, num esforço de combinação entre materiais, jogos perceptivos e propostas conceptuais. O fio condutor é a obra de arte assente na ideia de dissimulação, de ocultação, de mascaramento. Fisher revela-nos duas impressões a jacto de tinta de fotografias coloridas. Uma destas impressões apresenta um abrigo numa mata, que se dilui entre as árvores. E uma outra, Anastasia, representa um avião de meados do século XX, pintado, nas asas, por um azul intenso de céu. O corpo da avioneta é coberto por um verde de bosque e finalizado com um pequeno apontamento: uma pintura de uma pin-up, posicionada junto ao cockpit. A artista tem desenvolvido uma série de fotografias em torno de esconderijos, ou pequenos habitáculos, engastados em troncos de árvores, explorando diferentes materiais e estruturas.
A evocação a Roland Penrose surge com a presença, na galeria, de uma ilustração de uma zebra, oriunda do manual de camuflagem Home Guard Manual of Camouflage, de 1941. Consta que, na época, pairava a ameaça de uma invasão alemã em solo britânico. Forças militares, por isso, convocaram artistas, arquitectos, designers e zoólogos para desenvolver disfarces. Foi nesse contexto que surgiu o manual de camuflagem de Penrose.
Na exposição Camouflage somos presenteados pela imagem da obra Joseph Beuys in Memorium, 1986, uma homenagem de Andy Warhol ao artista alemão. A serigrafia revela o rosto de Beuys, coberto por um camuflado.
Também se encontra presente uma pintura de Osvaldo Ferreira, A nossa luta, 2022. Três figuras, duas masculinas e uma feminina?, surgem vestidas com roupas de um estampado típico africano, mas as calças, embora coloridas, ostentam os habituais padrões camuflados usados na guerra.
Pedro Valdez Cardoso apresenta Na Sombra, uma obra de 2006. Sobre o solo, numa ambiência vitoriana, surgem objectos que parecem recriar D’ejeuner sur l’herbe de Manet, mas numa alusão, talvez, de crítica a uma sociedade feita de máscaras e disfarces.
Charlotte Vitaioli oferece-nos La Marche de Natalia, 2019. Homenagem à pintora, escritora, designer e cenógrafa Natalia Gontcharova. A obra é alusiva às técnicas artesanais. A artista mistura as belas artes com as artes ditas menores, ou artes aplicadas. Com liberdade, articula formas de expressão ditas convencionais e populares (vitral, cerâmicas) com a contemporaneidade artística. Desta vez, a artista utilizou a arte da tapeçaria. Os padrões, que, ao mesmo tempo, revelam paisagens de pôr do sol colorido, em tons de verde, amarelo, laranja, e rosa claro, evocam uma vez mais o camuflado, em grandes dimensões. Uma superfície cónica e dois painéis de generosa dimensão, cobertos da tapeçaria, atribuem à galeria um colorido suplementar e vivo.
Gabriela Albergaria apresenta-nos uma viga de cedro, engastada num eucalipto, recolhido no Parque Florestal de Monsanto. A escultura, de 2020, parece articular-se com Hunting Blind, de Claudia Fisher, sobretudo a série de habitáculos que a artista tem desenvolvido desde 2009. Albergaria cria uma espécie de genealogia das espécies, quando as mesmas perdem a sua identidade e unidade, num confronto que invoca a degradação do ambiente, a fragmentação do ecossistema e a extinção da biodiversidade.
Edgar Martins apresenta-nos Militia Hideout, 2024. Impressões glicée de arquivo. Paisagens misteriosas pedem olhares mais atentos e pacientes. Vão-se descobrindo silhuetas por entre os fundos brancos e granulosos. A pouco e pouco vão surgindo esconderijos, formas de utensílios semiobscurecidas.
Óleo sobre tela de José Almeida Pereira, Caça de Leões, com base em Delacroix, oferece-nos um deleite perceptivo.
Fabrízio Matos revela-nos um conjunto de fotografias, numa sugestão sensorial, a preto e branco, Pele e Osso, 1,2,3,4,5. Várias peles artificiais de animais cobrem o dorso de um cão.
Daniel Gustav Cramer, expõe Okunoshima, 2023, uma fotografia de uma paisagem natural com um pequeno coelho.
Soldado-Almofada, 2023-24, representa uma série de soldadinhos impressos sobre almofadas, que Miguel Palma tem desenvolvido ao longo deste ano. As almofadas surgem penduradas sobre uma estrutura metálica, colocada sobre o chão. De um lado, encontramos a silhueta de um soldadinho, do outro, um tecido camuflado. Em diferentes posições do observador os soldadinhos desaparecem. Outras vezes, aparecem, salientando os jogos perceptivos de simultaneidade, exigidos nas experiências de disfarce e camuflagem.
Natureza domesticada, de Catarina Leitão, revela-nos uma paisagem marinha. São utilizados tecidos, alcatifa, tinta acrílica, espelho, esferovite. Podemos observar a forte relação desta peça com outras presentes na exposição: Claudia Fisher e Charlote Vitaioli.
Manuel Botelho apresenta duas fotografias da série confidencial/desclassificado: flagelação (a que eu gosto de chamar naturezas mortas). Vemos soldados escondidos atrás de objetos, mas denunciados por pequenas partes do corpo, revelando a vulnerabilidade humana perante a ameaça de um ataque bélico, ou de uma guerra.
Por fim, Christo, e a bela peça Wrapped Portrait of Jane Mansfield, um quadro a óleo, pintado pelo próprio, embrulhado em plástico e corda. A obra que finaliza a exposição é de Stella Kaus, uma composição de 2025, sem título, de técnica mista: pastel a óleo, caneta, recortes e tinta acrílica sobre papel.
A exposição coletiva Camouflage está patente no P28, em Lisboa, até dia 5 de julho.