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Bands of Mercy, de Elisa Pône
DATA
17 Jun 2025
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AUTOR
Carla Carbone
Quando entramos na exposição de Elisa Pône, um longo “peixe” com olhos de woofer, distende-se, retesado, ao longo da sala.
A sua rigidez, resultante de uma eficaz fixação de todo o seu corpo - a escultura encontra-se suspensa no teto por firmes cabos – denuncia-nos a impressão de um cachalote flutuante.
O corpo da escultura, Bands of Mercy, 2025, é um enorme torvelino feito de materiais vários e descartados1, que a artista foi progressivamente enrolando em torno de uma tela plástica, transparente.
O mesmo objecto emite ruídos electrónicos e vibrações, enfatizando os sons do animal marinho que a artista quis, intencionalmente, representar.
Elisa Pône revelou que a longa peça retumbante é uma homenagem a Maria O’Neill, escritora nascida em 1873, feminista, teosofista e espírita.
A galeria apresenta uma montra, onde é possível, para quem passa na rua, ver o longo bicho tremelicando e rumorando no interior. Em simultâneo, podem ver-se manchas negras e amareladas no exterior, sobre os vidros da galeria. A artista pintou a montra com fumo colorido, usado habitualmente em eventos desportivos.
Pône está interessada na propriedade sonora e visual da pirotecnia que, intensa e vibrante, condensa, no tempo, a vaidade, e o espectáculo2. Mas à artista interessam também os processos e os materiais envolvidos, a combustão, as suas cinzas, os vários elementos que o compõem e que a artista materializa utilizando papel, vidro, folha de pvc laminada, cera de parafina, pavio colorido pirotécnico, pontas de cigarro, silicone, látex3.
Já em 2013 a artista realizava obras como Chromo-combustibles, e combinava bombas de fumo com figuras geométricas simples4. Segundo Marie Bechetoile: A forma, a cor e seu uso se sobrepõem, uma aliança renovada entre o controlado e o imprevisível. Ações, efeitos, sequências e gravações. Abstração e figuração caminham na mesma direção5. Numa obra anterior, o vídeo tríptico À la fuite (on the run 2012), o tempo passa em três retratos: a queima lenta de um cigarro, o caminhar errático de um caminhante, a oscilação dinâmica de uma scooter motorizada. Narrativas sem começo nem fim, nas quais a percepção singular do presente é apreendida6.
Fixadas nas paredes da galeria, surgem algumas peças em resina da série Insert (2023), semelhantes às peças expostas na exposição LA TROISIÈME NUQUE THE THIRD NAPE7.
Também nestas transparências pode encontrar-se uma assemblage de materiais descartados, os mais comuns: uma dança de confettis, pequenas esferas de cor dourada, correias prateadas, contas, purpurinas, fotografias instantâneas esmaecidas, olhos de plástico, beatas, fósforos, guizos, cartuxos de foguetes usados, fragmentos electrónicos, fitas de tecido.
Pône utiliza geralmente suportes translúcidos. De modo líquido, a artista consegue actuar em diferentes meios e suportes. O som, a instalação, a escultura, a pintura, são alguns dos meios atuantes. Também o vídeo é utilizado pela artista. O filme intenso, Os Estimados, filmado dentro de um abrigo de cães, revela a vida dos pequenos animais, num espaço onde são protegidos e aguardam uma oportunidade para uma nova família. Segundo a artista: ‘Os Estimados’ expressa a complexidade de um espaço fechado. Filmado em um abrigo de cães, a lente da câmara parcialmente coberta por um espelho oferece-nos o presente – se não a disfunção – de uma visão dupla, como se tivéssemos olhos na parte de trás da cabeça. A artista, neste trabalho, oferece planos arquitectónicos que nos remetem para grandes contrastes. Num ambiente urbano, acentuam-se as discrepâncias sociais que facilmente são postas a cru na cidade.
Pône é uma artista multifacetada e multidisciplinar que demonstra igualmente sensibilidade para as questões sociais. A forma como se refere a Maria O’Neill, e conta a vida da escritora, revela o sentido que têm, para si, as grandes causas, como o ambiente, as questões sobre mulheres e as disparidades sociais.
A exposição pode ser visitada na galeria MALA até dia 29 de Junho.


1 Esta longa peça é morfologicamente semelhante a uma outra, de pequenas dimensões, a peça ROULÉ SERRÉ, CHAND TREMPÉ.
3 Ibidem
4 Ibidem
5 Ibidem
6 Ibidem
7 https://www.elisapone.com/infos
BIOGRAFIA
Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador.
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