interview
Laura Vinci: "A exposição tem uma qualidade que é muito calma, com poucos trabalhos. É justamente uma reflexão."
DATA
18 Nov 2025
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AUTOR
Adailton Moura
Uma conversa entre Adailton Moura e a artista Laura Vinci, a propósito da sua exposição Fluxus no MuBE (Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia), em São Paulo, que antecede Triz, com curadoria de Agnaldo Farias, organizada pelo Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, para visitar até ao dia 20 de dezembro no Círculo Sereia.
A conversa decorreu em frente a uma de suas instalações no exterior do MuBE (quatro pêndulos que vão em volta como se fossem pernas de bailarinas dançando levemente).
Antes de entrar no MuBE, é possível ser impactado pelo vapor de uma das obras de Laura Vinci. A névoa, que chama a atenção de quem passa pela rua, é criada por pequenos bicos de aspersão, funcionando em alta pressão, acionados por uma bomba que permite que a água saia com tanta força que as suas gotas ganhem uma característica incomum, ficando entre o estado gasoso e o líquido. Ao passar pelas portas do MuBE, visão e olfato são ativados ao mesmo tempo pela mesa de mármore repleta de maçãs. O perfume difundido pelas transformações físicas da fruta toma a pequena sala. Ao descer uma pequena escada, me encontro com a artista entre as fumaças que saem pelo funil do triz. Este é um dos elementos da exposição Fluxos que pode agora ser vista em Coimbra.
Adailton Moura: Suas obras são completamente diferentes, mas conversam entre si. Como surgem suas ideias?
Laura Vinci: Ainda que cada uma do seu jeito, todas estas obras estão lidando com a questão do tempo. Cada uma vem de um lugar. Por exemplo, os cones, agora em Coimbra, saíram de uma obra do (Hieronymus) Bosch. No centro da obra As Tentações de Santo Antão tem uma espécie de monstro, uma figura meio pato, meio gente, que tem um bico de onde sai a fumaça e que eu já venho trabalhando desde 2002.
AM: E como colocá-las em prática?
LV: O que aqui vemos, por exemplo (aponta para quatro pêndulos à nossa frente, que parecem pernas de bailarinas que dançam levemente), é uma peça que eu fiz para um cenário no Theatro Municipal de São Paulo, na altura com seis metros. Depois adaptei-a, procurei perceber qual seria o melhor local para colocá-la e optei pela parte externa do edifício, onde encontramos um espaço de apresentações e uma pequena escada, que serve também de arquibancada, e onde poderia fazer uma estrutura metálica justamente para segurar os motores da peça. Então, adaptei-a, cortando-a ao tamanho da laje e à altura do espaço: 4 metros e meio.
AM: Essa estrutura aqui parece dançar…
LV: Quando eu fiz teatro, tudo estava relacionado com o tempo. Fiz um espetáculo, Cantos de Maldoror: Terra em Transe em transe, com Nuno Ramos e Eduardo Climachauska, sobre o filme) Terra em Transe, de Glauber Rocha. Eles pegaram o filme, transformaram as falas em sons e dividiram em quatro pitches. Pediram-me para fazer quatro tempos, como se fossem quatro pitches. Cada um pendula num tempo. E, assim, a peça fica parecendo uma dança. No teatro essas pontas eram os para-raios. E aqui, por uma questão de segurança, fiz essa forma mais dócil, que fica parecendo um pé de bailarina.
AM: Mas a ideia da exposição é que uma arte complemente a outra, trazer essas coisas diferentes para também trazer essa visualização do que é a arte, do que pode ser.
LV: Esta exposição é uma soma de vários trabalhos de 2007 até 2025. São trabalhos desenvolvidos ao longo de quase 20 anos. Refletem um pouco a minha trajetória. Tem muito mais trabalho, mas enfim. Acho que aqui acabámos por escolher os trabalhos relacionados, sobretudo, com a questão do tempo. Tempo, transitoriedade e transformação da matéria… De certa forma, todos os trabalhos aqui apresentados lidam com essa questão, embora sejam muito diferentes entre si. Por exemplo, lá embaixo há uma mesa de mármore com as maçãs. Quando pensamos em maçãs, lembramo-nos de (Paul) Cézanne. Mas ali também encontramos as maçãs que são formas orgânicas, vivas, que vão apodrecer e que estão ali junto com aquela mesa de mármore, que na verdade é quase uma lápide. Ali encontramos a questão da vida e da morte. Afinal, o que é vida e morte? É tempo. O que está entre a vida e a morte é o tempo, que vai passando. Somos nós, seres temporais, seres provisórios. A gente fica aqui por pouco tempo. Tem o perfume da fruta é visual, mas a gente também exercita o olfato.
AM: Que obras vão ser expostas em Coimbra?
LV: O Triz, que são os cones de vapor, as folhinhas que se mexem, que foram produzidas a partir de folhas reais. Peguei num galho, depois foram desenhadas, transferimos para uma impressora 3D, e fundimos em latão e banhamos a ouro. Esse vapor aqui de fora, talvez não será exposto. Ainda estamos decidindo. Mas também vão ser expostas as correntes na parede e o funil de areia. O funil de areia, na verdade, eu apresentei na terceira Bienal de Coimbra. Entretanto, acabei doando esta peça para eles porque tem toda essa logística e dificuldade de transporte.
AM: E além de arte visual, você também faz outras artes. Como funciona a sua mente artística?
LV: Comecei a fazer teatro em 1998 com Zé Celso, no Teatro Oficina (São Paulo). Estive lá quatro anos e depois trabalhei com várias companhias. Para mim, o teatro tem uma grande qualidade que é precisamente o facto de ser muito coletivo. É impossível fazer teatro sozinho. É um trabalho de grupo. E acho que, no fim, também o teatro acabou me trazendo coisas muito inconscientemente. Por exemplo, neste trabalho com o vapor, o público tem uma atração corporal. Vão as crianças, os adultos, todo mundo. E há aí um qualquer apelo físico, um estímulo ao público. Todo mundo quer ir para o vapor e sentir essa sensação. E os vapores para mim são muito como portais para novos mundos. Como se você estivesse ali e entrasse para um outro lugar.
AM: Tem esse vapor, a fumaça do cone e a fumaça dos vidros…
LV: São fumaças diferentes. Não são as mesmas.
AM: Mas qual a diferença entre elas na sua criação?
LV: Na fumaça do cone, por exemplo, eu penso num portal para uma imaginação, para pensar novos mundos. No caso do vidro, há uma outra questão. Aqui o vapor ficou menos agressivo, mas quando eu montei esta peça em São Paulo e no Rio de Janeiro, sendo parte de uma peça de teatro também, a fumaça saía com mais violência. Esta peça tem um caráter um pouco mais distópico, mais violento, que lembra o fim do mundo. Quando a montámos aqui, eu achei que o vapor não podia ter essa violência porque ia dominar muito o espaço e talvez apagar os outros trabalhos. Então eu reduzi, controlei, diminuí o tamanho da máquina. E O Triz, que são os cones, acho que é uma espécie de último suspiro. Estamos num momento em que algo está perdendo fôlego. Esta peça reflete muito o momento que a gente está vivendo no mundo, tanto político quanto climático. Estamos num momento muito complexo.
AM: Qual é o papel da arte para transmitir essas mensagens?
LV: Quando a arte é boa, ela consegue dizer essas coisas todas, não em palavras, mas em sensações e emoções. A exposição tem uma qualidade que é muito calma, com poucos trabalhos. É justamente uma reflexão. De ter mais calma, perceber, dar aquela pausa também, observar, ouvir, sentir o cheiro. Sentir, reparar.
AM: Você sempre reforça que o seu trabalho é individual, mas é coletivo também, não é? Como é a criação, o desenvolvimento?
LV: Sim, por exemplo, não sei criar esses motores, e tenho alguns parceiros. São pessoas que complementam o meu trabalho, porque sozinha não o faria. Eu gosto muito. Na verdade, eu preciso. Não só preciso, como acho importante trabalhar em colaboração. Tenho uma equipe grande que me ajuda. É igual ao teatro, que não dá para fazer sozinho. Acho que tem artistas, como os pintores, por exemplo, que têm uma abordagem muito solitária, um dia a dia, uma vida de ateliê muito sozinho. Eu não sou desse lugar: sou de ir para a rua, gosto de ir no fornecedor, descobrir novas possibilidades… quer dizer, acho que eu sou uma pessoa que gosta de criar situações em que eu possa fazer junto.
AM: Mas no momento de tirar da cabeça, colocar no papel para depois executar, como funciona?
LV: Por exemplo, o Triz foi muito isso. Eu vi o quadro e peguei aquilo pra mim. Depois, eu fui para o ateliê e fiquei batendo cabeça lá, sozinha. Eu mesma penso no sistema. É engraçado porque às vezes são visões que você tem. Isso aqui [os pêndulos] foi uma visão, não sei porquê. Só veio. Isso gera vários tipos de arte. Não é uma coisa única. Quer dizer, tem um assunto só, que é essa questão do tempo, mas ela vai passando por diferentes matérias, vários tipos de situação, vários tipos de tempo. O tempo da rocha é um tempo diferente, ele já foi areia e vai ser areia de novo. Só que muito maior que o nosso, geológico. A gente não tem tempo geológico, a gente não tem tempo para durar. Nosso tempo é curto.
AM: A arte nos ajuda a pensar sobre essas questões. Nos faz dar uma pausa na vida, porque na correria diária não pensamos nesse tempo que está passando rápido.
LV: O que nós somos? Nós somos uma existência… nada mais do que isso. Então, o que fazemos com essa existência? Temos de lhe dar sentido, que nos interessar por essa existência.
AM: No fluxo da vida, a gente acaba ignorando isso.
LV: É porque nossa cultura capitalista nos obriga a trabalhar para ganhar dinheiro, não é? Até podemos pensar que não é necessário, que podemos fluir, aproveitar mais a vida… Só que a gente não pode. Na verdade, pode e a arte tem esse papel. É difícil, mas pode.
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