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SEMPRE: Ana Jotta no Lumiar Cité
DATA
23 Jun 2022
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AUTOR
Laurinda Branquinho
Um icónico sofá Knole de 1920, em veludo vermelho e com marcas do tempo. Atrás, duas cortinas entre os tons de amarelo e azul acompanham o canto da parede onde o sofá está situado, e nelas foi impresso a mesma imagem repetidamente: a silhueta de…

Um icónico sofá Knole de 1920, em veludo vermelho e com marcas do tempo. Atrás, duas cortinas entre os tons de amarelo e azul acompanham o canto da parede onde o sofá está situado, e nelas foi impresso a mesma imagem repetidamente: a silhueta de alguém num barco a remos. Esta primeira área da exposição é logo na entrada do Lumiar Cité, podemos sentar-nos no sofá e deixar a imaginação correr. É assim que Ana Jotta nos introduz a esta sua exposição individual a que deu o nome de Sempre.

Passando este micro cenário, vemos um cartaz, onde a tinta-da-china Ana Jotta põe em destaque a palavra “SEMPRE” e escreve em letras orgânicas:

– Está quente

– Está quente

E apontava.

Este cartaz parece ser um anúncio para aquilo que se desdobra no piso superior da galeria e as palavras, um diálogo da narrativa imaginada pela artista. Antes de subirmos ao piso de cima, somos confrontados por um espelho minimalista do artista Veit Stratmann que aqui esteve em exibição anteriormente a Ana Jotta. O resto da obra de Stratmann foi deixado a pedido da artista, talvez com a intenção de salientar o confronto do observador com a própria imagem. Somos introduzidos passo a passo, cada momento é um apontamento sobre o mundo conceptual de Ana Jotta.

O contraste luminoso acontece ao subir as escadas para o piso superior, passamos de um ambiente cheio de luz, janelas e reflexos, para um ambiente onde a luz se vai tornando cada vez mais rara. O primeiro objeto que se destaca são as inúmeras cortinas negras que se alongam desde o teto até ao chão. São cortinas de teatro, que em conjunto com o renuncio das luzes, acentuam a aura dramática deste próximo núcleo da exposição. “Ana Jotta apresenta um filme e desenha uma sala de cinema — a artista como produtora e realizadora? O título do filme: SEMPRE. Horários de exibição? Nem por isso, apenas os horários de abertura de uma galeria e um cartaz de cinema.” lê-se na folha de sala da exposição.

É neste piso superior que assistimos ao filme de Ana Jotta, que roda no centro da sala forrada com cortinas negras. O filme está desenhado numa tela de projeção, onde a artista ousou pintar diretamente sobre a sua superfície. Um único foco de luz ilumina a pintura, conferindo o efeito dramático digno de uma sala de cinema. A imaginação é a chave, e este foco de luz imita a função de um projetor. Na tela, os elementos estão circunscritos à moldura que imita o típico padrão azul e vermelho dos envelopes; são vários os elementos que habitam a composição e o uso da palavra continua a ser necessário. Aqui, lemos pequenas notas inscritas dentro de formas quadrangulares, com o verde, rosa e amarelo pastel que fazem lembrar os típicos post-it’s: “A day past, a memory day”, em baixo “But still a day”; noutro “A dead dead day” e de seguida “—That lives”. São apontamentos, que vivem sobre esta superfície juntamente com as diferentes formas que atuam na composição. Entre as palavras, o movimento, a mão, as sombras, o desenho e a pintura, SEMPRE é poesia e imaginação.

Não é só pintura, não é só instalação, é um cenário, é palco e é ação. O presente situa-se entre o que acontece e o que está para acontecer; SEMPRE, parece ser um intervalo de tempo, recheado de anseios e sensibilidades; anseio de produzir tudo o que for possível de realizar; anseio de fazer tudo, com tudo e para sempre. A economia de meios e a reutilização, realçam a energia de cada um dos objetos, que individualmente já carregam um passado. O sofá, as cortinas, o espelho e a tela de projeção, caem nas mãos de Ana Jotta, a artista produtora que reúne neste espaço um novo sentido para estes objetos.

SEMPRE está patente no Lumiar Cité até ao dia 31 de julho de 2022.

BIOGRAFIA
Laurinda Branquinho (Portimão, 1996) é licenciada em Arte Multimédia - Audiovisuais pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Estagiou na Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa onde colaborou com o projeto TRAÇA na digitalização de filmes de família em formato de película. Recentemente terminou a Pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do coletivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.
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