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Babuíno Talismã de Daniela Ângelo na Galeria da Boavista
DATA
16 Fev 2024
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AUTOR
Laurinda Branquinho
Babuíno Talismã, exposição individual de Daniela Ângelo nas Galerias Municipais de Lisboa – Galeria da Boavista, reúne uma série de fotografias que documentam a essência de seres e artefactos captados em museus de arqueologia e história natural.

Babuíno Talismã, exposição individual de Daniela Ângelo nas Galerias Municipais de Lisboa – Galeria da Boavista, reúne uma série de fotografias que documentam a essência de seres e artefactos captados em museus de arqueologia e história natural. A artista dilui as fronteiras entre o natural e o artificial, evocando o místico e o poético da imagem fotográfica.

Daniela Ângelo capta animais e objetos com igual importância, dissolvendo fronteiras entre o que pertence à natureza e aos humanos. Esta diluição evoca crenças animistas, onde humanos atribuem senciência a elementos naturais, animais, plantas ou objetos. O próprio título da exposição interseta o mundo natural e espiritual. O babuíno, enquanto animal, surge associado a talismãs, objetos onde projetamos propósitos de proteção, orientação ou cura. Já a imagem que dá título à mostra surge de uma dupla exposição, onde um babuíno se funde com um objeto xamânico, acentuando o interesse pelo cruzamento de universos distintos.

Ao entrar na primeira sala de Babuíno Talismã, somos transportados para um mundo onde a realidade é subtilmente distorcida. Cada imagem é meticulosamente enquadrada, removendo do cenário quaisquer elementos que possam servir de referência para a escala do objeto fotografado. Este controlo da perspetiva transporta-nos para um domínio onde os limites entre o estranho e o familiar se dissipam. O que vemos, ainda que o tentemos reconhecer, permanece inalcançável. É necessário rendermo-nos à estranheza e subtileza da imagem quando olhamos para a misteriosa ave de penas brancas ou o hipnotizante vaso vermelho.

A presença da cor negra é comum a todas as imagens apresentadas por Daniela Ângelo. O intenso jogo de claro e escuro, combinado com o fundo negro, ajuda a remover os objetos e seres do seu contexto original, destacando as suas formas de uma maneira isolada e atemporal. Nestes cenários negros, os detalhes tornam-se mais nítidos, as linhas mais definidas e cada contorno ganha uma profundidade singular. É uma qualidade que desafia a noção de tempo e espaço.

O negro infinito acentua-se no segundo piso, onde o espaço expositivo adota paredes pretas e o jogo de luz se intensifica com pontos focais direcionados somente para as fotografias. A escuridão potencializa o mistério e a magia das imagens. Nesta sala, há uma fotografia tão escura que quase se torna impossível olhá-la. Se nos fixarmos no objeto em vidro que aparece na imagem, começam a formar-se fosfenos, pequenos pontos coloridos que surgem no campo visual quando somos expostos à escuridão.

Os elementos que surgem nas imagens de Daniela Ângelo são desprovidos de qualquer contexto, os seus significados reais permanecem na penumbra, subvertendo a intenção original do museu que os expõe. São imagens que desafiam as nossas expetativas, que nos convidam a explorar um espaço onde a noção de rótulo e significado se dissolve – aspecto acentuado, também, pelo facto de as obras não possuírem títulos. Os objetos fotografados desmarcam-se das identificações a que nos museus estão obrigatoriamente sujeitos. Aqui, livre de nominações, fazem parte de uma constelação de imagens que podem ou não ser aquilo que representam. O que vemos passa a pertencer a um espaço especulativo, onde o espetador é convidado a participar ativamente na construção de significados.

Ao vermos as imagens de Daniela Ângelo, também se levanta a questão da morte, já que, apesar de existir em nós a consciência de que os animais que vemos não estão vivos, há neles uma sugestão de vitalidade inquietante. A lente de Ângelo confere-lhes uma existência singular, como é caso do mocho que por nós sobrevoa e olha.

Babuíno Talismã é um universo de sombras e contrastes que levanta questões profundas sobre a natureza da vida e da morte, da realidade e da ilusão. Daniela Ângelo cria um ambiente de tensão e suspense, onde o peso do significado das imagens cai sobre o espetador.

A exposição, com curadoria de Bernardo José de Souza, está patente na Galeria da Boavista até 31 de março de 2024.

BIOGRAFIA
Laurinda Branquinho (Portimão, 1996) é licenciada em Arte Multimédia - Audiovisuais pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Estagiou na Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa onde colaborou com o projeto TRAÇA na digitalização de filmes de família em formato de película. Recentemente terminou a Pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do coletivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.
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