A exposição abre com o vídeo Change of Life (2023) de Monika Mamzeta, onde a artista se move entre peónias rosa que ora desabrocham entre as suas pernas, ora nascem da sua boca. As pétalas vão servindo de blush ou batom, perdem a cor, rasgam-se, desfazem-se, numa celebração da transformação e da fragilidade que se inscrevem no próprio gesto de existir, em nós e na natureza.
Subindo para o piso superior, e antes de chegarmos à primeira sala da exposição, encontramos a pintura Sphinxess and Lamb (2025), de Julia Woronowicz. A obra mostra um universo pictórico que articula o mito e o simbólico, colocando a figura da esfinge — clássico arquétipo de enigma e saber — acompanhada pela presença de um cordeiro, figura da inocência e sacrifício. O momento captado pela artista mostra a esfinge a olhar diretamente para o espetador, numa ação que permanece no campo especulativo.
Na pintura West (2025) de Arman Galstyan, vemos uma estrada deserta ao pôr-do-sol, vista do interior de um carro. O elemento central da pintura é o espelho retrovisor, onde se revelam três rostos imersos na penumbra, com os olhos voltados para o espetador. As figuras, semi-ocultas, sugerem memórias, fantasmas, ou projeções interiores — ecos do que foi deixado para trás, mas que continua a acompanhar o sujeito em movimento. A pintura de Galstyan sintetiza a tensão entre exterior e interior, numa metáfora sobre o desassossego do inconsciente.
Sobre esta mesma dualidade (exterior e interior), a obra de Aleksandra Nowicka ESSO (2023), mostra uma cena interior doméstica com duas crianças protagonistas: uma menina de perfil sentada à secretária e um rapaz de costas junto à janela, olhando o exterior. Nesta atmosfera há um elemento que se destaca: o logótipo ESSO, que surge em panfletos espalhados pela sala de estar. A marca ESSO, associada a postos de combustível, surge deslocada. No contexto doméstico, cria uma tensão entre o espaço privado e a influência da cultura do consumo. Há uma falha interna no íntimo que se deixou contaminar pelo exterior: a imagem da petrolífera.
Em I deserve it all (2025), Ester Parasková fala sobre desejo e vulnerabilidade. A superfície pictórica combina traços expressionistas e abstratos com desenhos de personagens da Disney e elementos textuais. Os gestos inacabados e as figuras dispersas revelam a multiplicidade do fluxo de pensamento que acontece no ato de pintar. A inscrição “Good / Bad / Mad / Sad / Ugly / Beauty” acrescenta sentido a esse movimento por tornar visível a multiplicidade das vozes interiores e das contradições que elas carregam.
A fechar o circuito desta sala está Hidden Flaws (2025) de Jan Możdżyński, uma série de esculturas em cerâmica que parecem aludir a rostos — alguns de aparência animal ou orgânica, outros híbridos com características humanas. Para as olharmos temos de nos agaixar, um gesto que inverte a hierarquia habitual entre o corpo e a obra. Ao curvamo-nos entramos no seu território e somos capazes de nos reconhecer nelas.
Na última sala, Amadeusz Pucek mostra duas pinturas: Nude with Black Cat (2025) e Afternoon in Arkadia Park (2023), ambas dois modos de intimidade. Na primeira, a figura nua partilha o espaço com um gato preto, ambos deitados sobre uma cama, entregues ao tempo e à sua passagem. Na segunda, Pucek abre o espaço e transporta-nos para o exterior, pintando um arbusto rosa que ocupa toda a paisagem citadina. A melancolia que nasce de observar o mundo sem interagir diretamente com ele, sente-se em ambas as obras. Mas, no gesto de pintar, cria-se intimidade com o quotidiano e as singularidades que lhe pertencem.
A maternidade é abordada por Katarina Janečková, que expõe uma pintura produzida quando estava grávida da sua filha. A composição organiza-se em torno de uma figura feminina de cabeça para baixo, segurada por uma entidade meio humana, meio animal. Ao seu lado, uma criança e um cão permanecem sentados, como testemunhas silenciosas. A representação literal do interior do ventre surge do lado esquerdo da composição, revelando o útero e o bebé nele contido. É uma representação da maternidade como condição existencial, marcada por afetos, por risco e transformação, expondo a fragilidade inerente ao nascimento, mas também a força paradoxal da gestação. O mesmo rosto feminino aparece em I really want to tell you something nice but the world is on fire (2025), sugerindo que se trata de um auto-retrato. Nela vemos uma figura ao telefone, cujo fio se enrola em torno do seu busto, mas o peso do mundo, como indicado no título da obra, interrompe ou retarda o gesto de partilhar algo bom. O processo de Katarina Janečková é íntimo, e as suas duas filhas participam do processo criativo: a artista frequentemente trabalha com a tela no chão, permitindo que as crianças deixem a sua marca. A criação e a maternidade entrelaçam-se, e delas nascem obras que abraçam a imperfeição e a vulnerabilidade.
A exposição encerra com a obra sonora de Gregor Rozanski que, fazendo uso do loop, cria uma paisagem acústica que evoca canais subterrâneos de comunicação. É um território invisível onde ruído e repetição se tornam linguagem, revelando camadas de memória, tensão e resistência.
Inherent Vices revela as falhas estruturais que nos constituem — os pontos de rutura que percorrem os corpos, as memórias e as crenças. É uma narrativa sobre fragilidade como condição estrutural, sobre o vício, não como falha, mas como matéria constitutiva do existir, entranhado na matéria e nas estruturas que nos formam. Do cruzamento do corpo e da memória, da intimidade e da política, da imagem e do som, a exposição abre um campo de reflexão sobre o vício inerente como razão que nos torna capazes de criar, resistir e transformar.
A exposição está patente na galeria Her Clique até dia 31 de outubro de 2025.