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A possibilidade do efémero: Lawrence Weiner no Panteão Nacional
DATA
15 Ago 2025
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AUTOR
Laurinda Branquinho
Lawrence Weiner (1942-2021) foi uma das figuras centrais da arte conceptual, movimento que, a partir dos anos 1960, deslocou o foco do objeto físico para a ideia. Para Weiner, a palavra funcionava como um meio escultórico capaz de existir em múltiplas formas, seja na parede ou num livro. As frases que utilizou eram precisas, desprovidas de imperativos ou narrativas, e apresentadas como matéria que convida o observador a assumir um papel ativo na sua interpretação, construindo sentido e relação a partir da sua experiência pessoal.
No Panteão Nacional, monumento de pedra e silêncio, a instalação de Weiner surge como fenda. Nas paredes, na vertical, leem-se as frases “Colocado acima do equador”, “Abaixo do equador”, “À direita do equador” e “À esquerda do equador”. E no chão, em círculo, desenrolam-se as palavras “Around the world/ Volta ao Mundo”. A instalação convoca o corpo de quem a percorre. As frases, dispostas acima do nível do olhar ou sob os pés, obrigam ao movimento, a ler com o corpo inteiro, a reconfigurar a nossa posição no espaço.
O equador, linha invisível que divide a Terra em duas metades é um dos elementos centrais da obra. A palavra deriva do latim aequator que significa “igual” na frase circulus aequator diei et noctis, que traduz “círculo que equaliza dia e noite”. A origem etimológica de “equador” remete para a promessa de equilíbrio entre hemisférios norte e sul. É uma categorização que serviu para ordenar a geografia do mundo, mas que acabou por hierarquizar: o norte acima, o sul abaixo, estabelecendo desigualdades entre populações. Weiner expõe esse artificio e subverte-o: ao apresentar as coordenadas sem atribuir valor ou direção, devolve-nos a liberdade e a responsabilidade de nos reorientarmos. A instalação oferece ao visitante a hipótese de se situar a partir de si, de escolher onde é acima e onde é abaixo, onde começa ou pode recomeçar o mundo. As palavras de Weiner exigem uma leitura performativa, onde ler é caminhar.
Ao nosso redor encontramos os túmulos de Vasco da Gama, Pedro Alvares Cabral, Infante D. Henrique ou Afonso de Albuquerque, que ajudaram a edificar a narrativa imperial portuguesa - uma narrativa construída a partir da violência sobre outros territórios e a cartografia do mundo segundo uma lógica europeia de domínio. Assim, as frases de Weiner devolvem-nos à abstração da linha que tudo divide e expõe e confrontam-nos com o paradoxo de uma história marcada por assimetrias e desigualdades entre hemisférios. Num lugar como o Panteão, onde a função simbólica é fixar memórias, atribuir valor e monumentalizar feitos, a proposta de Weiner é radical porque desloca o olhar do passado para o presente.
Weiner intervém num lugar marcado pela monumentalidade da pedra, pela retórica da eternidade, pela consagração de quem, segundo a ordem instituída, foi digno de memória. Num espaço tão carregado de simbolismo — político, histórico, patriarcal — a sua instalação aparece como fratura. A escolha de frases simples, suspensas de sentido, desloca a linguagem do campo da autoridade para o da especulação. Não ordenam nem descrevem, apenas situam.
Se os nomes gravados nos túmulos procuram resistir ao tempo, as frases de Weiner aceitam a erosão. Trabalham com a fragilidade, a impermanência da linguagem e do sentido. São obras feitas de linguagem, que não têm peso, volume, nem aspiram à eternidade material. No centro de um monumento nacional, onde tudo foi construído para eternizar, Weiner inscreve a possibilidade do efémero.
A instalação VOLTA AO MUNDO/AROUND THE WORLD, de Lawrence Weiner, pode ser visitada no Panteão Nacional até dia 31 de agosto.

BIOGRAFIA
Laurinda Branquinho (Portimão, 1996) é licenciada em Arte Multimédia - Audiovisuais pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Estagiou na Videoteca do Arquivo Municipal de Lisboa onde colaborou com o projeto TRAÇA na digitalização de filmes de família em formato de película. Recentemente terminou a Pós-graduação em Curadoria de Arte na NOVA/FCSH onde fez parte do coletivo de curadores responsáveis pela exposição "Na margem da paisagem vem o mundo" e começou a colaborar com a revista Umbigo.
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