A exposição Loop End, patente no espaço OSTRA, cumpre esta imagem, onde o encontro entre obras e artistas se constrói como um conjunto de sucessivas ancoragens - gestos individuais que ganham sentido na tensão com o outro. A exposição reúne obras de Batu Behram, Ingrid Pumayalla, João Migwel, Regina Silva, Miguel Abreu e Colin Ginks, artistas que participaram no programa Chain Reaction, um campo de experimentação coletiva fundado pelos artistas Hugo Brazão e Elizabeth Prentis.
A mostra inicia-se com Mas a gente vai para onde (2025), de Batu Behram, que fixa na televisão a imagem de duas pessoas no chão, rodeadas por polícias, sob as palavras “bairro do Talude”. A imagem é acompanhada por uma peça sonora que ouvimos nos auscultadores. O bairro, marcado por recentes demolições e desalojamentos, é um espelho da violência institucional que atravessa as periferias urbanas. Como uma corda que segura uma pedra que tenta cair, o artista força a permanência de uma imagem num lugar onde o fluxo mediático normalmente a dissolve, num gesto de resistência.
O nó enquanto raiz surge no trabalho de Ingrid Pumayalla, artista peruana que tem vindo a investigar as relações entre memória, território e práticas comunitárias da região andina. Em La memoria del maíz morado (2025), o milho roxo - planta sagrada nas culturas andinas - é usado como pigmento para tingir o tecido evocando rituais de colheita. A artista mergulha nas camadas simbólicas e políticas do milho, associando-o à resistência indígena e à preservação de saberes ancestrais ameaçados pela exploração contemporânea dos recursos naturais.
João Migwel apresenta duas peças em cerâmica vidrada — inner conflict e Self Promo — que parecem emergir de um imaginário sobre conflito interior. Em inner conflict (2025), duas formas humanas semelhantes entrelaçam-se num gesto que sugere um combate. As figuras partilham a mesma anatomia, como se lutassem contra a própria imagem. E em Self Promo (2025), a escultura, suspensa, assemelha-se a um zepelim, um corpo aerodinâmico que parece querer flutuar, mas que aqui permanece dependente das correntes que o seguram. O zepelim, veículo da propaganda e espetáculo no início do século XX, é aqui reapropriado como metáfora de um ego vulnerável à queda. Em ambas as peças, o conflito tanto é interno como estrutural. São duas formas de resistência: uma contra si mesma, outra contra o vazio. O artista parece reconhecer que é nesse atrito, entre o peso e a leveza, entre o desejo de ascender e o perigo da queda, que se forma a própria condição de existir e criar.
Regina Silva parte da materialidade da moldura para a transformar numa peça escultórica. Em Mean-While (2025) a função da moldura é invertida: em vez de delimitar a imagem contra a parede, fá-la avançar para o espaço. Colocada perpendicularmente, a moldura rompe com a lógica frontal da contemplação e ocupa o território do espetador, obrigando-o a contornar, a espreitar e a situar-se. O acrílico transparente, que é desenhado com linhas negras, torna visível o vazio que normalmente sustenta a imagem. A moldura torna-se assim um nó, ancorando o invisível e materializando o que há de frágil e transitório no ato de ver.
Em Suntub (2025), Miguel Abreu apresenta uma escultura onde um painel solar serve de base estrutural e simbólica. Sobre ele, uma folha com um desenho geométrico é protegida por uma placa de vidro, sobre a qual se acumulam sal, parafina e pigmento. O painel solar, normalmente associado à captação e conversão da luz em energia, assume aqui outra dimensão: torna-se um suporte que recolhe, mas não produz. O conjunto parece questionar a própria ideia de energia, não apenas a solar, mas também a vital e simbólica. Há uma dimensão alquímica na obra. Os materiais parecem convocar uma energia latente, mas que nunca se manifesta por completo.
Por fim, em Morte térmica (2025), Colin Ginks apresenta num iPhone XR um vídeo que mostra fragmentos do quotidiano - de imagens captadas através de uma janela, ou numa discoteca - que alternam com pausas onde surgem textos que descrevem o destino final do universo, como um retorno à escuridão. O contraste entre a escala cósmica das palavras e a banalidade das imagens que vemos propõe um olhar entrópico e lúcido sobre a condição contemporânea. O ecrã do telemóvel torna-se o espelho de uma existência onde a luz, motor de todas as formas de vida e conhecimento, é também a que anuncia o fim.
Cada trabalho explora imagens de ligação e tenção, contenção e fluxo, peso e movimento. Há nos artistas uma vontade de fixar o que escapa, de dar corpo ao que insiste em dissolver-se, mas também a consciência de que todo o nó guarda em si a possibilidade de se desfazer. Loop End habita esse intervalo, onde o gesto de unir implica também o deixar ir. Aqui a arte revela-se como promessa de continuidade e conexão num mundo que tende à dispersão.
A exposição é acompanhada pelo texto A fruta, vamos distribuindo, de Filipa da Rocha Nunes, escrito no contexto do projeto Chain Reaction. O seu texto percorre o território como quem segue o curso da água - entre vales, barragens e fontes - convocando imagens de partilha e memória. Tal como as obras da exposição, também nele se pensa o gesto de ligação, mas, aqui, é na comida que existe a promessa de encontro.
A exposição fica patente no espaço OSTRA até ao dia 15 de novembro de 2025.