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Casas de Patrícia Garrido na Sociedade Nacional de Belas Artes
DATA
27 Mai 2024
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AUTOR
Carla Carbone
Perante a instalação de Patrícia Garrido, patente na Sociedade Nacional de Belas Artes, e em confronto com o nome da exposição, Casas, há toda uma tentativa, por parte do observador, de encontrar um espaço que pode ser percorrido e experienciado em conforto. Uma ideia de habitáculo, de interior, de refúgio.

“Uma casa é o invólucro, a casca de um lar”[1], dizia-nos, em tempos, o arquiteto finlandês Juhani Pallasmaa, no seu livro Habitar, de 2017.

Perante a instalação de Patrícia Garrido, patente na Sociedade Nacional de Belas Artes, e em confronto com o nome da exposição, Casas, há toda uma tentativa, por parte do observador, de encontrar um espaço que pode ser percorrido e experienciado em conforto. Uma ideia de habitáculo, de interior, de refúgio. Ao invés disto, deparamo-nos com uma encruzilhada, composta por um conjunto de cantoneiras, uma assemblage compreendida por extensos elementos metálicos, que se estendem de modo labiríntico e se entrecruzam ao longo do espaço da galeria, impedindo o visitante de vivenciar a completude de um espaço habitado.

Este sentimento, de renúncia à ideia de lar, no sentido de um desconforto latente, que os elementos metálicos de Garrido parecem sugerir, intensifica-se à medida que se vislumbram mais calhas e se observam ligações variegadas entre elas. As estruturas, compostas por quatro suportes ou bases, inauguram uma dança ininterrupta de linhas retas, perpendiculares, paralelas, e oblíquas, que se interceptam, e a que não será difícil associar a artérias e vias das cidades, compreendidas pela imprevisibilidade. Estas associações livres podem ser imediatas. Uma miríade de pontes, autoestradas, edifícios, com as suas formas e ângulos inesperados, vão palpitando o imaginário enquanto o espaço é percorrido.

Uma ideia de casa, ou de lugar, que pode fornecer privacidade, de espaço que concebe proteção da cidade, ou mesmo segurança, é o que procuramos. Mas, em momento algum, a instalação de Garrido proporciona uma experiência de comodidade.

Onde se pensa que existirá um espaço coeso, um centro onde pode haver oportunidade para repousar o nosso olhar, e a nossa ideia de lar, eis que surge uma outra aresta viva, uma outra cantoneira inesperada, que o atravessa, e perturba. Paira, no espirito, uma certa sensação de exclusão, de desalento, e de não pertença a um lugar.

O lugar construído que sugere a artista não se anquilosa nos ritmos, espaços e silêncios que o arquiteto se ocupa habitualmente, mas antes na construção mental de imagens, na essência de uma casa[2].

Como nos diz Pallasmaa, o artista “não se interessa pelos princípios e intenções formais da disciplina da arquitectura e, consequentemente, se aproxima diretamente do significado mental das imagens de uma casa e do lar. Portanto, trabalhos artísticos que lidam com espaço, luz, e edificações e moradias podem proporcionar aos arquitectos lições importantes a respeito da própria essência da arquitectura”.

O pintor, por exemplo, “cria uma casa imaginária na tela”[3], que pode ser o corolário de uma profusão de emoções e sensações: sejam elas proteção, ordem, e alegria, algumas vezes, confusão, rejeição, solidão, tristeza, outras vezes.

É também de memórias que as estruturas de Garrido parecem revestir-se. Memórias de modernidade, memórias de vanguardas, e os seus mitos.

Quem não se recordará das palavras de Rosalind Krauss sobre a exclusiva visualidade das artes visuais?

No “sentido espacial, a grelha estabelece a autonomia da arte”[4], distanciando-a do discurso, e da palavra.

No seu texto Grids[5], Krauss esclarece que, no sentido do espaço, se estabeleceu um afastamento da natureza.

Na instalação de Garrido, as estruturas ondulam entre a ordem e o caos, entre o movimento e a geometria estática. Dimensões antimiméticas e antinaturais[6] emergem.

A exposição Casas dá continuidade a um trabalho desenvolvido pela artista Patrícia Garrido, que se tem pontuado, segundo João Pinharanda no texto que acompanha a exposição, de memórias e ficções da própria vida[7] da artista. É comum, na sua obra, o recurso a labirintos visuais e o uso de jogos intelectuais, geométrico-matemáticos[8].

A mostra, um projeto da Fundação Carmona e Costa coordenado por Patrícia Garrido e Manuel Costa Cabral, está patente na Sociedade Nacional de Belas Artes até 1 de junho de 2024.

 

[1] Pallasmaa, J. (2017). Habitar. Editorial Gustavo Gili.
[2] Ibidem, p. 19.
[3] Ibidem.
[4] Krauss, R. E. (1986). The Originality of the Avan-Garde and Other Modern Myths. The MIT Press. Cambridge, Massachusetts, London, England.
[5] Ibidem.
[6] Ibidem.
[7] Pinharanda, J. (2024). Casas – Patrícia Garrido. SNBA.
[8] Ibidem.

BIOGRAFIA
Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador.
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