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Como silenciar o canto dos pássaros, de Paulo Lisboa
DATA
09 Mai 2025
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AUTOR
Carolina Serrano
Em Como silenciar o canto dos pássaros, Paulo Lisboa aprofunda a sua investigação sobre os limites da percepção visual, da ação da luz sobre a matéria que se revela como substância do tempo.

Em Como silenciar o canto dos pássaros, Paulo Lisboa aprofunda a sua investigação sobre os limites da percepção visual, da ação da luz sobre a matéria que se revela como substância do tempo.

Sobre a flanela fotodegradada, incide esse gesto intangível que ilumina e consome a superfície. Usura de luz.

Em diversas obras anteriores, o artista operava com carvão sobre superfícies, como o papel, o alumínio ou o vidro, criando atmosferas onde a presença do espectador e a incidência da luz alteravam constantemente a perceção da imagem.

Nesta exposição, a mudança funda-se no processo. A imagem já não depende da matéria que se adiciona sobre a superfície, mas da sua ausência. Ao invés de um corpo humano enquanto ser demiúrgico, a matéria fotossensível é queimada lentamente pelo próprio corpo da luz, da sua ação contínua. As formas que emergem – drapeados, ondulações, manchas, zonas de densidade irregular – remetem para mantos, halos ou corpos que se dissipam.

Ao fundo, uma imagem destaca-se das restantes, apresentando uma faixa vertical que funciona como veículo que condensa a fonte de origem da usura, pois a luz que nutre é também agente de destruição.

Num eclipse total, ao incidirmos o olhar sobre o chão à sombra de uma árvore folhosa, vemos pequenos halos que recortam as formas em pequenas curvas em forma de lua crescente. Depois, a luz começa a baixar a intensidade até à suspensão atmosférica crepuscular. Nos ramos das árvores, ou nos seus ninhos, os pássaros suspendem o canto. O exercício de silêncio acompanha a noite e o sono, mas revela-se também sob ameaça, no nascer de uma tempestade, na aproximação de um animal predador, no recolhimento da chuva, numa erupção vulcânica, num incêndio florestal, ou ainda, sob o gesto da morte, enquanto silêncio infinito na tessitura do tempo.

Nas obras de Paulo Lisboa, este silêncio expressa-se no lugar operativo das imagens – dispositivos de suspensão – que articulam ambos morte e sonho, canto em suspenso e mudez infinita.

A exposição está patente na galeria Bruno Múrias até dia 17 de maio.

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