article
Douro: Geografia Líquida, na Expo Osaka 2025
DATA
30 Jun 2025
PARTILHAR
AUTOR
Maria Inês Mendes
Ao longo dos vários meses da Expo, está prevista uma programação rotativa em que diferentes regiões portuguesas serão representadas. A título de exemplo, a UMBIGO viajou até Freixo de Espada à Cinta, onde foi apresentada a exposição que seria levada ao Japão em representação da CIM Douro - Comunidade Intermunicipal do Douro.
De 13 de abril a 13 de outubro de 2025, a cidade de Osaka, no Japão, acolhe a Expo 2025. Instalada na ilha artificial de Yumeshima, esta exposição universal reúne mais de 160 países, num evento que se pretende afirmar como uma montra do futuro. Sob o tema Designing Future Society for Our Lives [Conceber a Sociedade Futura para as Nossas Vidas], a Expo constitui uma plataforma para discutir soluções inovadoras para os desafios globais contemporâneos, em sintonia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.
Com uma localização privilegiada, junto ao Pavilhão do Japão e perto de uma das principais atrações da Expo - a estrutura de madeira Grand Ring projetada por Sou Fujimoto -, o Pavilhão de Portugal apresenta-se sob o tema Oceano: Diálogo Azul, com curadoria de Joana Gomes Cardoso, Comissária Geral da Participação Portuguesa. O Pavilhão, desenhado pelo arquiteto japonês Kengo Kuma, responsável pela pala do edifício do CAM da Gulbenkian, remete para um ecossistema marítimo. A estrutura do edifício, leve, permeável e marcada pela repetição ritmada de componentes verticais, tais como cabos marítimos e redes de pesca recicladas, instaura um jogo de luz, sombra e vento, sugerindo um movimento do oceano.
A par da linguagem arquitetónica do Pavilhão, também o programa expositivo projeta Portugal como um país histórica, cultural e economicamente virado para o mar. Não se pretende cair num historicismo, assente num discurso de expansão e conquista, mas apresentar uma leitura atualizada da identidade marítima portuguesa. O objetivo é, sobretudo, trazer para o centro da discussão internacional a importância dos recursos hídricos e apresentar algumas soluções que aliam a conservação dos ecossistemas marinhos com um crescimento económico sustentável.
Ao longo dos vários meses da Expo, está prevista uma programação rotativa em que diferentes regiões portuguesas serão representadas. A título de exemplo, a UMBIGO viajou até Freixo de Espada à Cinta, onde foi apresentada a exposição que seria levada ao Japão em representação da CIM Douro - Comunidade Intermunicipal do Douro. Importa sublinhar que a escolha da localização para este evento não foi fortuita. Foi desta pequena vila raiana, localizada na província de Trás-os-Montes, que partiu Jorge Álvares, primeiro cronista português no Japão. As afinidades entre os dois territórios não tardaram a emergir. Recordo, por exemplo, as amendoeiras em flor que salpicavam os campos da vila em de tons rosa, lembrando as cerejeiras que marcam a paisagem japonesa.
É precisamente neste enquadramento que surge Douro: Geografia Líquida, um projeto que sublinha de forma contínua o diálogo entre Portugal e o Japão. Com curadoria de Filipa Oliveira, a exposição propõe um olhar sensível e atento sobre o território, reunindo três artistas (Fernanda Fragateiro, Duarte Belo e Filipa Leal) cujos trabalhos exploram a relação entre o rio, a memória e a paisagem. Se a questão da representação nacional é um tema constantemente debatido no campo da curadoria, Filipa Oliveira apresenta uma solução sucinta e contida, sem, no entanto, comprometer a representatividade da região.
Inspirada na tradição da produção de seda em Freixo de Espada à Cinta, e em continuidade com a sua colaboração com o Museu da Seda e do Território, Fernanda Fragateiro traz consigo uma escultura-instalação de seda tingida com pigmentos extraídos de algumas espécies vegetais autóctones. A peça, suspensa de forma a criar um corpo ondulatório, sugere o curso de um rio: essa geografia líquida que encontra caminho entre os sulcos da montanha. Desenvolvida em colaboração com duas artesãs locais, esta não está apenas ancorada na materialidade do território — é também um gesto de preservação dos saberes populares como a prática da tecelagem, comum tanto nesta região do Douro como no Japão.
Por sua vez, Filipa Leal apresenta uma série de haikus, breves poemas de origem japonesa, sobre o rio Douro. Estas composições poéticas - concisas e delicadas - pontuam o espaço expositivo com a mesma leveza e fluidez sugerida pela peça de Fragateiro. Aproxima-se, assim, o rio da palavra, o Douro de Osaka. São três mil horas a pé que, afinal, se fazem a correr. A exposição completa-se com uma série fotográfica de Duarte Belo, uma espécie de cartografia do rio construída ao longo de três décadas. Se os haikus de Filipa Leal captam o território por uma via poética, as imagens de Belo operam um gesto semelhante através de uma observação persistente e silenciosa. A preto e branco ou a cores, estas fotografias revelam um Douro intemporal e, simultaneamente, em constante transformação.
Tal como o Douro, também a identidade nacional é dinâmica, moldada por camadas históricas, culturais e afetivas que se entrelaçam num território partilhado. A água, elemento central desta exposição, surge como metáfora de transformação, renovação e potencial de futuro. Ao propor uma perspetiva ecológica e relacional, onde o oceano e o rio são entendidos não como fronteiras, mas como lugares de encontro e diálogo, a representação da CIM Douro na Expo Osaka sugere uma presença internacional renovada: ancorada no território, mas voltada para o mundo; enraizada na tradição, mas igualmente permeável à mudança.
A apresentação da exposição Douro: Geografia Líquida decorreu dia 15 de março, no âmbito do programa Osaka em Portugal, que pretende promover uma programação cultural alargada a todo o país até 13 de outubro. Poderá encontrar mais informações sobre o programa aqui.
BIOGRAFIA
Maria Inês Mendes frequenta o mestrado em Crítica e Curadoria de Arte na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Em 2024, concluiu a licenciatura em Ciências da Comunicação na Universidade NOVA de Lisboa. Escreve sobre cinema no CINEblog, uma página promovida pelo Instituto de Filosofia da NOVA. Realizou um estágio curricular na Umbigo Magazine e, desde então, tem vindo a publicar regularmente. Colaborou recentemente com o BEAST - Festival de Cinema da Europa do Leste.
PUBLICIDADE
Anterior
article
O Condomínio e outras formas
27 Jun 2025
O Condomínio e outras formas
Por Filipa Nunes
Próximo
article
Noites de Verão 2025 arrancam dia 3 de julho em Lisboa
02 Jul 2025
Noites de Verão 2025 arrancam dia 3 de julho em Lisboa
Por Umbigo