article
O Homem como Arquipélago – Exposição Fernando Lemos Designer
DATA
09 Jul 2019
PARTILHAR
AUTOR
Carla Carbone
Quando Fernando Lemos fotografava nos anos 40, disparava sobre o mesmo negativo várias vezes até a imagem ficar saturada, nublada e obscura. Num primeiro encontro com a fotografia, o observador era confrontado com uma profusão de estímulos vários, rostos por decifrar, transparências fumeantes, atmosferas enigmáticas,…

Quando Fernando Lemos fotografava nos anos 40, disparava sobre o mesmo negativo várias vezes até a imagem ficar saturada, nublada e obscura. Num primeiro encontro com a fotografia, o observador era confrontado com uma profusão de estímulos vários, rostos por decifrar, transparências fumeantes, atmosferas enigmáticas, sibilinas.

As fotografias eram revolucionárias para o espírito da época, ainda dominado por um certo naturalismo nostálgico, tardio e sintomático de um regime que o forçou a sair de Portugal, nos anos 50, e a procurar no Brasil um melhor ambiente para as suas aspirações artísticas – bem como uma atmosfera mais propícia para um “pensar com liberdade”, nas palavras de Chico Homem de Melo, curador da exposição antológica.

Lemos fotografava, de forma livre e incansável, múltiplos de imagem – a lembrar o surrealismo polarizante de Man Ray – e em diferentes tempos, ao ponto de eliminar uma das características mais nucleares da fotografia: a propriedade de ser imagem fixa, a captação do instante, a fixação do momento.

Por ocasião da sua visita à inauguração da exposição, Fernando Lemos Designer, patente neste momento na Cordoraria Nacional – exposição antológica da sua obra e reveladora também da sua atividade enquanto designer gráfico, menos conhecida de muitos –, Fernando Lemos falou da sua obra, da sua vida, com semelhante fluidez e desembaraço com que realizava as suas fotografias.

Do mesmo modo que a obra de Lemos se desdobra em várias formas de arte, da fotografia à pintura, da azulejaria à ilustração, da poesia ao design, o discurso do artista estende-se, com igual espessura, na direção de múltiplas interpretações, e caminhos possíveis de reflexão e debate. Fernando Lemos, esteve presente no momento da apresentação da exposição aos jornalistas, organizada pelo MUDE, com direção de Bárbara Coutinho.

À medida que o artista gráfico ia explicando aos jornalistas a obra gráfica, principal razão para a realização desta exposição, dimensão menos conhecida da sua obra, falou sobre a condição do design e esclareceu: “[o design] muitas vezes é tratado como desenho, por equívoco. O design industrial não é desenho. O design é o resultado de uma ideia, de um sonho, que tem que ser construído, tem que passar por fases de investigação, por pesquisa e por várias avaliações. É complicado de mais para se chamar desenho”. No entanto, este olhar sobre a disciplina não é menos apreciado por Lemos, muito pelo contrário, como aliás bem demonstra o texto de Bárbara Coutinho, presente no catálogo da exposição. A diretora do museu revela a “singular sensibilidade de Lemos”, segundo Margarida Acciaiuoli, e “o reconhecimento do desenho como expressão plástica autónoma”, ao mesmo tempo que como prática ao serviço de um projeto específico.

Em qualquer das áreas que Lemos desenvolveu – e no sentido do artista “como arquipélago”, segundo Chico Homem de Melo – com idêntica versatilidade e empenho, não abandonou a convicção no desenho, nem tão pouco os seus valores modeladores. A dicotomia luz e sombra mantém-se, oriunda da sua prática original na fotografia, segundo Bárbara Coutinho, e expande-se em várias das suas outras áreas, numa perpetuidade estilística moderna, com as referências ao abstracionismo, e ao cubismo. Como se pode verificar, estes valores pronunciam-se e materializam-se, na ampla obra que realiza, como a grande tapeçaria criada em 1960 para a loja da TAP; nas estamparias de 1960; no alto contraste observado nas ilustrações a azul primário e negro, sobre fundo branco, presentes no livro Voa pássaro voa, de 1978; nos diferentes logótipos realizados para a universidade de São Paulo; no belíssimo  livro Recado, de 1960; nos murais desenhados em 1990, para a estação de metro Brigadeiro, em São Paulo; no catálogo da exposição Tanto Mar – Fluxos Transatlânticos do design, realizada pelo MUDE, em 2018, entre outros.

BIOGRAFIA
Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador.
PUBLICIDADE
Anterior
article
COSMO/POLÍTICA #4: Quando as Máquinas Param
08 Jul 2019
COSMO/POLÍTICA #4: Quando as Máquinas Param
Por José Pardal Pina
Próximo
article
De Outros Espaços, na Galeria Municipal do Porto
10 Jul 2019
De Outros Espaços, na Galeria Municipal do Porto
Por Constança Babo