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Que Emoção!, na Sociedade Nacional de Belas Artes
DATA
18 Ago 2025
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AUTOR
Carla Carbone
Compreende a exposição uma dimensão de ruptura, de rompimento de paradigmas que, mais do que uma reprodução de hábitos e linguagens já repetidas, nos propõem um sopro de coisas novas. É preciso saber dos mestres, mas, ao mesmo tempo, saber superá-los, saber desafiá-los. E é isto que uma boa academia deve ser.
Com curadoria de Nuno Sousa Vieira e Francisco Queirós, Que Emoção! é uma exposição de pintura, mas não só de pintura sobre tela. Patente na Sociedade de Belas Artes de Lisboa, podem ver-se linhas impressas sobre a pele1, bordados coloridos sobre tecidos finos semitransparentes, esmaltes aquosos e cerúleos sobre argilas e barros de formas irregulares, desenhos digitais em movimento2, e por último, como é óbvio, uma pintura mais convencional, onde o tema, este menos tradicional, nos presenteia com um deleite de volúpias e efervescências sensuais e de alusão sexual que nos remete para questões da actualidade.
Compreende a exposição uma dimensão de ruptura, de rompimento de paradigmas que, mais do que uma reprodução de hábitos e linguagens já repetidas, nos propõem um sopro de coisas novas. É preciso saber dos mestres, mas, ao mesmo tempo, saber superá-los, saber desafiá-los. E é isto que uma boa academia deve ser.
Para António de Sousa Dias, presidente da Faculdade de Belas Artes de Lisboa, esta exposição de finalistas constitui um marco anual que assinala não apenas o início de novas possibilidades criativas. Este jovens artistas, que iniciaram a sua formação num contexto particularmente desafiante, demonstraram uma capacidade notável de adaptação, persistência e invenção3. Para Sousa Dias é importante, nesta colectiva, a presença de inovação e potencialidade criadora. Alicerçada, previamente, num exercício técnico e conceptual intenso, por parte de cada um dos finalistas, e num esforço contínuo de pesquisa, experimentação e reflexão, conducente com a contemporaneidade.
Podemos apontar alguns artistas. Começamos com a artista Leonor Cunha Mendes, que pontua o início de uma exposição colectiva, composta pelo trabalho dos artistas finalistas das Belas Artes de Lisboa 2024. A obra de Mendes é revelada por meio de três telas a óleo, pintadas no ano de 2024: O que me lembra de ti, Se existiu viagem e Aquilo que o Olhar não guardou. Nelas podem ver-se tratados, num cenário intimista, temas como a nostalgia, o sonho e a memória - esta última um reavivar de emoções. O tempo é um dos temas centrais na pintura da artista, assim como a bruma e a sombra. As pinceladas veladas, mas precisas, conferem um mistério, e até estímulos indecifráveis, conduzindo o leitor a uma interrogação e a uma sensação de impossibilidade, mesmo que deseje desvendar ou controlar a verdade presente em cada uma das obras da artista. Em todas as pinturas parece morar um sentimento do que é familiar, oriundo da infância, e que, pelo seu efeito onírico, nos atrai, convidando-nos a uma intensa introspecção. Tons pastel são os mais comuns, sendo observadas, nas obras expostas, a aplicação das cores bege, terracota e lilás.
A cor, na exposição, Que emoção!, surge largamente enaltecida nos trabalhos de vários dos artistas selecionados.
Helena Lehrfeld, por exemplo, apresenta-nos um conjunto de seis telas de génese realista, algumas evocativas de máscaras (talvez) orientais, outras de objectos de uso quotidiano. Nas primeiras três telas, óleo sobre linho, de 2024 (Alfinetadas, Espera sentado, Além-muro), podem ver-se as seguintes propriedades: numa das telas a artista pintou uma cadeira vermelha, encostada a um muro alto, perscrutado por detrás, num segundo plano, por uma árvore de fruto, talvez um limoeiro. Numa segunda tela, a artista pintou um escadote. Pode reconhecer-se o mesmo muro alto e, sobre o mesmo, um horizonte cercado de verde.
Pedro Anacleto apresenta várias telas e uma pequena peça em grês vidrada. A tela maior remete, pela articulação dos corpos, a uma dança viva e erotizada.
O colorido distende-se em outras obras. Marta Guerreiro revela-nos peças cobertas, na totalidade, por um tom rosa açucarado e pueril. Sobre o solo, encontra-se Melting, uma instalação de pequenas estruturas suportadas por redes de galinheiro. Em diferentes dimensões, cobrem-se de bolbos, feitos de espuma sintética e tinta acrílica de cor rosa fulgente. A artista ainda apresenta as peças realizadas com recurso a resina Epóxi: Conte-me uma História e À Tona.
Inês Martins revela-nos o imaginário popular e juvenil do Anime, onde várias técnicas e meios são explorados. A artista apresentou vídeos e desenhos coloridos com o recurso a canetas Posca.
Mel Paiva apresenta Pókemon, uma instalação compreendida por várias peças de roupa, suspensas no espaço da galeria. As peças, algumas resultantes de um aglomerado de várias roupas ligadas entre si, como peças de roupa interior, ou materiais diversos, podem despertar no visitante um sentimento desconcertante de proximidade, de intromissão numa intimidade interdita e profunda, onde frases ressoam, bordadas sobre tecidos: Welcome to my Island, ou, Dá-me um beijinho antes de fugires.
Há um permanente fio condutor entre as peças expostas na galeria, que os curadores procuraram assegurar. O desenho da exposição foi concebido por Nuno Sousa Vieira, com o intuito de que cada aluno encontrasse uma liberdade individual no seu trabalho, um corpo autónomo, e, em simultâneo, criasse uma profundidade na visão que permitisse um diálogo progressivo entre as obras.
As peças sobre tecido de Mariana Baião asseguram essa continuidade no percurso da exposição. A artista aplica várias técnicas, entre elas o desenho, a pintura e o bordado sobre tecidos delicados e semitransparentes. Na galeria podem ver-se as obras O casamento; matei as pessoas e coisas que não fazem chorar; a 10 cm de distância de existirmos e Nós três cabíamos aqui.
Patrícia Sousa revela-nos Varinhas Mágicas, peças em Grês vidrado. O trabalho da artista é cativante pelas cores e formas. Destaca-se também o tratamento fulgente das superfícies, que nos remete para um mundo de conto de fadas e fantasia. De salientar, em toda a exposição, o recurso à cerâmica que evidencia grande qualidade técnica e estética, e, por outro lado, uma coesão expositiva.
Nas peças de Patrícia Sousa descobre-se uma consistência e um domínio técnico preciso. A artista demonstra igual perícia no manuseio de materiais tão distintos como: grés, vidrados, em conciliação com matérias tão dispares como esferovite, estruturas metálicas, ecrã fesnel, entre outros.
Diana Santos confirma a presença forte da cerâmica na exposição Que Emoção!, e apresenta-nos peças incríveis de génese vegetalista: já me incomodou mais; ou ainda mudei três vezes, mas continuo sem saber que nome te dar, não gosto de madeiras, olha o grés, a mesma cor, diferente modo de a ver, Arredondou.
As belas peças de Catarina Rodrigues confirmam esta presença consolidada da matéria cerâmica na exposição. Também as peças de Rodrigues evidenciam acabamentos orgânicos perfeitos, e uma exploração da técnica de modo exímio e interessante.
O trajecto da exposição continua a revelar diversidade.
Sara Chitas apresenta-nos três desenhos em pastel de óleo e grafite sobre papel milimétrico. Bola Pinchona, Para-águas e Chuva de Prata inquieta-nos pela candura e pela forma como os materiais são docilmente trabalhados sobre a superfície do papel. Em Chitas, as formas e transparências são acrescentadas ao papel de modo leve e etéreo.
Alice Serrazina propõe-nos uma instalação biomórfica, que também remete para formas livres e espontâneas da infância. As peças evidenciam caminhos exploratórios e de experimentação constante com a matéria, onde as mãos cumprem um papel relevante. Em cada parte da forma reconhecemos o gesto paciente da artista na concretização da peça e a sua marca individual.
Mariana Sousa apresenta-nos um corpo de trabalho mais comprometido com o conceito, como a peça S/título, de 2024, e que compreende uma estrutura metálica (um trampolim?), com uma cobertura de arame farpado. Duas outras peças desta artista surgem ainda expostas: Três razões para duvidar do teto, e uma fotografia digital, sem título, ambas datadas do ano de 2024.
Podemos depois observar os trabalhos de Inês Rebeca, que em vários textos tem sido referida como uma artista que explora a memória e a dicotomia indivíduo-colectividade. Nos trabalhos expostos é visível o modo como trata a matéria e concebe uma fusão com o quotidiano, tanto na multiplicidade que oferece, bem como no retorno ao que é essencial da pintura: o ponto zero greenberguiano da matéria.
A alusão à natureza, ao tema da paisagem, com o recurso ao desenho a carvão sobre papel e à técnica de óleo sobre linho, é recebida pela mão de Mariana Frias. As obras expostas da artista são: Branches (2025), Caminhar no Vazio (2025) e Na Corrente do Vazio (2024).
Podemos ainda referir as obras reveladoras de maturidade e empenho dos finalistas Ana Simões, Benetto, Catarina Parente, Cláudia Gomes, Ida Pires, Inês Martins, Inês Rodrigues, Kikonica, Leonor Brito, Leonor Cunha Mendes, Madalena Antão Carvalho, Maria João Barcelos, Mariana Frias, Mariana Lourenço, Mariana Mata, Marta Guerreiro, Patrícia Sousa, Sarah Pripas e Tomás Rodrigues.
A exposição está patente no Salão da SNBA até dia 23 de agosto.
1 Vídeo de Benetto, finalista do curso de licenciatura em Pintura, FBAUL
2 Vídeo do artista Tomás Rodrigues, finalista do curso de licenciatura em Pintura, FBAUL

A autora não escreve ao abrigo do AO90.
BIOGRAFIA
Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador.
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