A exposição sacode-nos para um mundo de moluscos gastrópodes lânguidos e lentos a pontuar o lugar, precedidos por folhas e fungos, também eles cobertos e pintados a acrílico, em tons pueris: como o azul, o violeta e o rosa, em notas suaves. Num abrir e fechar de olhos somos transportados para Holz, a floresta de Heidegger, onde os caminhos ondulantes, entrecortados por sombras, nos conduzem ao desconhecido, ao misterioso, ao ainda não-trilhado.
A exposição também nos faz recordar, do mesmo filósofo, o caráter circular da arte e o modo como a permanência nesse lugar resulta numa “festa de pensar”. Somos assomados pela ideia da obra de arte e de como é inquestionável a sua propriedade de coisa, coisa que pode ser feita de madeira, ou coisa que pode ser feita de metal. Reconhecemos a propriedade de coisas nas peças tubulares criadas pelo artista, como por exemplo a obra lembrança escorre brota, 2025, ou sois por ali acima, 2025, cobertas por tinta acrílica. Mas também reconhecemos as obras do artista como sendo feitas de outra coisa, que não as coisas, mas de algo de outro, de que é constituída a obra, ou uma coisa à qual adere ainda algo de outro, proporcionado pelo artista. É nesse outro, ou em busca desse algo de outro, que nos enredamos na obra de Tiago Baptista. Confrontamo-nos com a matéria de que são feitas as coisas, deparamo-nos com as próprias coisas (a sua coisidade) e ainda com a alegoria, ou o lugar da metáfora, propriedade da obra de arte.
Na sua especificidade, por um lado, e ainda sobre a coisidade da obra, poderíamos falar da pintura como o lugar privilegiado da cor: “mas até a tão apregoada vivência estética não pode passar ao lado do carácter de coisa na obra de arte, há algo de pedra na obra arquitectónica, há algo de madeira na obra de talha. Há algo de colorido na pintura (Heidegger, 11).
Greenberg, por outro lado, falava-nos dos próprios planos da pintura (facet planes) e as suas propriedades frontais, a passagem do objecto para o fundo cada vez menos abrupto: The cubists ended up doing with form what the impressionists, when they precipitated their objets out of a mist of paint flecks, had only begun to do with color – they erased the old distinction between object in front of background and background behind and around object, erased it at least as something felt rather than merely read.
A pintura de Tiago Batista, presente na exposição, compreende, também, esta condição de plano, entrecruzado pelo referente, natural ou artificial, pelo jogo de simultaneidade, entre tridimensionalidade e bidimensionalidade, pelo fundo e pela forma, e sua reversibilidade.
Oposições entre natural e artificial, orgânico e sintético, memória e instante, tempo e momento presente, fixação do momento, movimento e estático, objeto encontrado (Objet Trouvé) e a sua representação na pintura.
Cor, mancha, planura da tela. A pintura é tratada, também, pela sua natureza intrínseca.
Depois, a presença da natureza, em Tiago Baptista, é forte. O artista deixa-se enredar, porém, em fragmentos da cultura popular, do consumo, pela ação do capitalismo. Uma pequena cabeça de boneca, vintage, a conhecida biju, ou woodland doll, surge numa das suas esculturas/instalações.
O artista colocou a cabeça da pequena boneca na base de uma escultura tubular que, avermelhada, se encontra suspensa. Será que a pequena figura, que agora olha para cima, através do longo tubo suspenso, se encontra na iminência de perigo, vulnerabilidade ou até na expectativa de que algo muito grave ou mesmo um acidente possa ocorrer? Este tratamento de proximidade com os objetos do quotidiano, ou da cultura popular, pode observar-se ao longo da sua obra, outrora mais evidente nas fanzines que desenvolveu no passado (Façam fanzines e cuspam martelos), ou nas BD a que deu também uma especial atenção. O balão da fala, por exemplo, próprio deste género artístico, é um dos elementos mais usados pelo artista nas pinturas atuais.
A pintura de Baptista, nesta exposição, irrompe de uma latência naturalista e de silêncios que inquietam os mais incautos, habituados a estímulos constantes, titubeantes, da sociedade consumista. Natxo Checa, por ocasião da exposição Febre, ZDB, falava em imagem transviada, que escapava, ou interrompia, a grande torrente de ruído visual contemporâneo.
O nada, descrito em outros textos e reflexões sobre o artista, perdura até esta exposição. O artista também nos oferece, pelas suas obras, uma apoquentação: os grandes projetos sociais, culturais, políticos que se provaram terem falhado e contribuíram para um mal-estar global. Na obra de Baptista, e nos seus diferentes géneros, o artista tem demonstrado, sempre, uma inquietude e uma mensagem interventiva, acutilante e lúcida sobre a nossa existência.
A exposição está patente na galeria 3+1 Arte Contemporânea até dia 9 de novembro.