Rodrigues e Camacho estão longe da mera representação da natureza. Fazem parte de uma nova geração de artistas que se entrosam na pulsação da natureza. A partir dela, procuram consciencializar sobre as urgências do ambiente. E fazem-no através de relação transversal com outras áreas e saberes. Vêm à liça as áreas de conhecimento que têm reunido ao longo do seu processo artístico, como a agroecologia, a permacultura, a microbiologia.
Numa preocupação ecológica, plena e holística, e conscientes do papel do artista enquanto agente de mudança, os Landra propõem um regresso à natureza: não somente como mero exercício contemplativo, mas antes como extensão da prática humana, como forma de vida, e autossuficência. Num esforço de diluição da oposição entre homem e natureza, os artistas entregam-se a atividades que prolonguem o ecossistema, e o fortaleçam: habitats que sejam potenciadores do equilíbrio da natureza, e não a sua destruição.
No espaço da galeria estendem-se vários fragmentos de troncos, alguns dos quais ostentam mecanismos sonoros. Longos toros, de carvalho, nogueira e castanheiro, jazem sobre o solo, amparados por panos crus. Em simultâneo, ouvem-se, no espaço, gravações de batidas e pancadas, que revelam a intervenção dos artistas sobre a madeira, no contexto da floresta, visíveis nos quatro vídeos instalados ao longo da galeria. A escultura, o vídeo, a instalação de som confluem, assim, ao serviço da reflexão sobre o tema da ecologia.
Porém, parece habitar na exposição uma ambiguidade, uma incerteza. Por um lado, somos impelidos a uma ideia ecológica de relação prazerosa do homem com a natureza. Por outro – e ao presenciar a imponência dos vestígios de troncos, acompanhados por trilhos de areia que se estendem ao longo do solo da galeria –, somos conduzidos a uma coexistência que nunca poderá ser pacífica. As esculturas – tronco orientam-nos para uma leitura de natureza esquartejada, decepada, interrompida e privada do seu ciclo natural. Poderão os cortes, retos, sobre a madeira, ser reveladores de uma gestualidade e crueldade de origem humana? Uma leitura mais atenta conduz-nos a um legado antropocêntrico, onde não poderemos deixar de mencionar os longos fatos registados na história: a hegemonia do homem ocidental sobre os outros animais, sobre as florestas e sobre os povos nativos. Era Rousseau quem dizia que o Homem era o autor do mal2, o mesmo Homem, iludido por uma ideia de progresso, de materialismo, e que não olhou a meios e a fins, agindo na indiferença pela ordem natural.
A dupla propõe-nos, como solução para a crise de valores ambientais e espirituais, uma participação efetiva e positiva com a natureza, sem nos fazer esquecer, em simultâneo, a impiedosa relação que o homem colonizador estabeleceu (e estabelece), ao longo dos séculos, com os diferentes ecossistemas, dilacerando os saberes ancestrais e a biodiversidade.
Os esforços da Landra vão ao encontro dos princípios de uma ética ambiental: 1) acções que garantam o futuro da humanidade,(…) mediante a preservação da qualidade bio-ecológica planetária3; 2) a ética da terra, que integra o ser humano na ampla comunidade biótica como seu membro e cidadão4, (…) e o dever de respeitar a integridade, o equilíbrio e a beleza desse todo que faz parte5; 3) a ecologia profunda, não antropocêntrica, que estabelece uma relação de práticas convivenciais, (…) de plena unidade ente homem e cosmos6.
Entretanto, no espaço da Galeria Municipal de Almada, quatro vídeos revelam-nos a dupla Landra a trabalhar em contexto natural. Procuram uma ação harmoniosa e em sintonia com o ecossistema, enquanto ainda houver tempo. Convocam e transportam-nos também para a ideia de uma poética da natureza. As relações, entre belo e sublime, arte e natureza, recordam-nos Kant. A arte, referida não mais como oposição à natureza, mas como exercício de reciprocidade: o fenómeno da arte autêntica, como se fosse natural, e o fenómeno da natureza como se fosse artística. 7
Com curadoria de Filipa Oliveira, a exposição pode ser visitada até dia 20 de setembro.
1 Varandas, M. J. (2007) Para uma ética ambiental: percursos fundamentais. Coordenação Neves, M. C. P; Soromenho Marques, V. Ambiente. Ética Aplicada. Edições 70, Página 33 a 35
2 Ibidem
3 Ibidem
4 Ibidem
5 Ibidem
6 Naturalismos, de Lucrécio a Lobo Antunes, edição Kelly Benoudis Basílio, Felipe Cammaert. Húmus, V.N. Famalição, 2012, Pág. 115.