O paraíso é um jardim fechado. Cercado e protegido pelo divino, existe nele um eterno campo de abundância onde a harmonia entre os humanos e a natureza é preservada. E o sonho do paraíso tanto é início quanto fim, tando Jardim do Éden como Campos Elísios. É deste lugar ideal de existência que nascem as pinturas que abrem a exposição individual de Eugénia Mussa na Monitor: Release the chicken!.
Em Eden I (2024), Eugénia Mussa pinta um lugar idílico, abundante em densa vegetação e quedas de água cristalinas. Suspensa ao teto, a grande tela Eden II aproxima-nos deste local, mostrando-nos de perto a diversidade da flora existente que, de tão díspar, se parece alienígena. É sobre os campos verdejantes ao redor da enorme cascata que repousam várias figuras femininas. As personagens adivinham o que se segue nas restantes obras, onde figuras humanas são quase sempre pequenas perante a imensidão da paisagem que as rodeia.
Passando a romântica The Red Forest (2024), a obra Welcome (2024) assume o papel de sinalética de boas-vindas para o piso inferior da Monitor, que nos afasta do paraíso. Descemos para um lugar longe da utopia, onde os cenários ficcionais, ainda que se aproximem do sonho, lembram a realidade. Nas seguintes pinturas tudo sugere movimento. As personagens seguem um rumo que o espetador desconhece, o presente é somente aquilo que vemos, tudo o resto reside na especulação. Para onde seguem as personagens de Duck Family (2024)? Será uma fuga ou uma deslocação habitual? E em People Cart (2024), será este um jardim fechado ao mundo exterior? Por que razão as personagens se vestem igual? Em ambas as obras permanece a dúvida sobre a liberdade de quem as habita.
Em The Carriage (2024), uma figura de vestido vermelho ergue-se numa carruagem guiada por quatro cavalos amarelos. O veículo pousa sobre uma estranha caixa preta com adornos brancos e a paisagem verde berrante com o amarelo orgulhoso amplificam a atmosfera do sonho. Aqui um dos cavalos sugere hesitação, enquanto os restantes parecem desejar seguir em frente. Assim, a composição e o seu título aparentam também aludir à carta de tarot “O Carro” / “The Charriot”, onde figura o foco, a determinação e a importância de saber controlar forças opostas.
Voltamos a transitar para o real na obra Open Water (2024), onde um grupo de nadadores se movimenta pela imensidão do azul das águas. Ao nadar, estamos sempre envolvidos por algo maior que nós, e aqui a pequenez das figuras é ainda acentuada pelo grande navio que assombra o fundo da paisagem. A vastidão do mar prolonga-se para Moonlight (2024), onde a artista pinta uma sublime baía que reflete nas suas águas o brilho de um intenso luar. Em primeiro plano, vemos uma embarcação em amarelo, e, mais adiante, três fogueiras anunciam um estado de tensão que o espetador desconhece.
O paraíso é completamente absorvido por Inspired by the painting “Discovery of America” by Johann Moritz Rugendas (2024), que reinterpreta a obra do pintor alemão do século XIX mencionada no título. Eugénia Mussa constrói com o seu vermelho-fogo um cenário que evoca o caos e que coloca a composição original sobre um filtro ardente. A ira do vermelho é tão feroz quanto hipnótica, e os nossos olhos por ela são absorvidos.
Viajar pelas obras de Eugénia Mussa é flutuar entre o sonho e a vigília dentro de paisagens onde o divino e o mundano se encontram. E é nesta interseção que a artista reinterpreta o caos e a ordem de um mundo imaginário atemporal.
Release the chicken! está patente até ao dia 7 de julho de 2024.