Andreia Santana apresenta, na Galeria Filomena Soares, The Outcast manufacturers, uma exposição que compreende um grupo de esculturas, em ferro, desenvolvidas pela artista.
Varas curvas, de filamentos sinuosos, contorcem-se e evoluem no espaço da galeria, formando estruturas lineares a negro, e evocando o elemento essencial do desenho: a linha. Construções abstratas, que inicialmente parecem ter sido oriundas de contornos e dorsos ancestrais, e, ou, de outras (con)figurações, inundam o espaço da galeria, e levantam ligeiramente o véu sobre o mistério de certos fenómenos, ou narrativas mágicas. A origem da exposição resulta da atual pesquisa da artista sobre a obra do arquivista de objetos e fenómenos anómalos, William Corliss, e da sua residência nos arquivos do Peabody Museum em Harvard.
As linhas negras, feitas de ferro, descrevem trajetos horizontais, outros verticais, outros ainda livres. Confinados a molduras ou estruturas que mais parecem peças de mobiliário – algumas sustentadas sobre quatro pés, como se fossem bancos, ou mesas, outras ainda a simular uma estrutura de um espelho – procuram libertar-se do plano, “trespassá-lo”, e assumir um papel primordial. Foi Kandinsky, que, um dia, terá comparado a obra de arte a “um vidro transparente”, “duro e rígido”, e que terá dito não ser possível “aceder a ela diretamente”, mas que ainda assim teríamos a possibilidade de a “penetrar” por meio de todos os nossos sentidos.
A exposição de Andreia Santana parece apelar a uma reflexão sobre o desenho e ao uso pleno dos sentidos. Para apreender as estruturas, presentes na galeria, é preciso percorrer o espaço, ver através das esculturas. Podemos olhar as peças, fruí-las, mas logo de seguida percebemos que, por detrás delas, outras surgem, e ainda outras, se revelam, como se fossem transparências. Por esse motivo somos impelidos a descobrir mais sobre esses objetos. A vislumbrar as suas ligações, a entender as relações que estabelecem entre si. Sabemos também que os objetos, para serem compreendidos – para serem desenhados – é preciso que se tenha tido algum tipo de experiência prévia acerca deles, um contacto anterior, e maior do que a mera observação. É por isso que as esculturas da artista pedem para ser contornadas. O espaço da exposição apela a um movimento em torno delas.
As esculturas de Santana são como que desenhos no espaço. Em 1932 Julio Gonzalez parecia sabê-lo. Com a sua técnica permitiu que as obras de Picasso saíssem da bidimensionalidade e se erguessem no espaço, e que as formas e colagens, tornadas volume, ocupassem diversas posições, evidenciando o desenho.
Desenhar é assim conhecer, o mais possível, o objeto desenhado. Conhecer a textura, a temperatura, por vezes o paladar. Conhecer o odor, a forma. Desenhar só acontece depois. Porque desenhar é extensão do ver.
O Desenho, por isso, é gesto, movimento do braço. Para alguns, desenhar resulta desse gesticular da mão – até do próprio corpo – dar atenção ao processo do desenho, mais do que à sua concretização, ou finalidade. As peças da artista geram essa ação. Uma ação libertadora do desenho. O desenho existe por si, sem estar subordinado a uma função última. São os elementos do desenho os protagonistas principais: como o é primeiro o ponto, e depois a linha. Mas desenhar também é aprender a ver, e o “elemento – tempo” é a dimensão essencial para conhecer o objeto, e a sua forma. A linha, ou contorno, também pressupõe uma duração, e difere na duração, se for reta ou curva (como extensão do círculo).