article
UM~BRAL #1 na vitrina do Teatro da Garagem
DATA
18 Jan 2023
PARTILHAR
AUTOR
Frederico Vicente
Umbral é uma das peças de guarnição de um vão. No mesmo vão, a padeira é o teto e a soleira o chão. Esta composição de elementos, aliada à profundidade, remetem para a ideia romântica do vão como o limiar (o limiar de uma passagem). A porta de entrada do lugar, não-lugar, onde ocorre o devaneio do sonhador. É neste intervalo tridimensional de sonhos entre o que está fora e o dentro, a rua e o teatro, o físico e o virtual que se movimentam Bruno José Silva e Reina del Mar, sonhadores do projeto UM~BRAL.

Umbral é uma das peças de guarnição de um vão. No mesmo vão, a padeira é o teto e a soleira o chão. Esta composição de elementos, aliada à profundidade, remetem para a ideia romântica do vão como o limiar (o limiar de uma passagem). A porta de entrada do lugar, não-lugar, onde ocorre o devaneio do sonhador. É neste intervalo tridimensional de sonhos entre o que está fora e o dentro, a rua e o teatro, o físico e o virtual que se movimentam Bruno José Silva e Reina del Mar, sonhadores do projeto UM~BRAL.

Os curadores propõem a ocupação voluntária de uma vitrina no Teatro da Garagem (Teatro Taborda), voltada à encosta do castelo e orientando o sistema de vistas para a Lisboa de vales e colinas (que por estes dias tanto se deseja ter à janela). O lugar é especial, ora porque aglutina o exterior, o interior e novamente o exterior, ora porque o léxico da porta, que ali é janela ou montra ou vitrina, é mimetizado, tirando partido da espessura do vão para propor um diálogo. O primeiro diálogo é entre Adriana João e Rebeca Letras. O público, que passa, é espectador desse diálogo em dois atos. Primeiro em frente àquela montra iluminada, como um aquário que oferece a dualidade da frente e do verso. Uma segunda vez, usando um blackmirror que rapidamente tiramos do bolso para fotografar. A exposição acontece, portanto fisicamente, com uma peça-instalação acorrentada a um manifesto escrito pelos autores, que falaremos adiante, e virtualmente solta, por um domínio de acesso rápido, através de um smartphonehttps://um-bral.net/.

Adriana João e Rebeca Letras, não se conheciam antes do projeto, mas cedo entraram na aula de “sonic crochet para absolute beginners” proposta pelos curadores. Lê-se, no texto de acompanhamento, em jeito de manifesto de iniciação à manualidade: “experimentas a imaterialidade translúcida das matérias, ouves atentamente o raspar cintilante das argilas queimadas”. Em concreto (e se língua portuguesa nos permitisse usaríamos um estado mais líquido) é exibido na vitrina uma atmosfera de correntes circulares, ciclos cerâmicos, “lunares”, “energéticos”,“sonoros” e “hidrológicos”, apegos luminescentes e desapegos luminosos, lembrando que a prática artística é além de um ritual um ato de meditação e aprendizagem.

A experiência da instalação pensada por Adriana João e Rebeca Letras só se mostra plena ao som do tilintar que se faz ouvir vindo do ecrã, de uma outra janela menos analógica e mais virtual (momento que devemos pôr os headphones e abandonar o real para mergulhar no azul virtual daquele aquário futurista). Talvez tenha sido intenção da curadoria explorar a fácil confusão e corrupção da palavra janela: abrir uma nova janela, minimizar ou maximizar a janela, espreitar pelo ecrã, fazer scroll à persiana, swipe no caixilho, desligar a cortina com os dedos, zoom in, zoom out

No fim, a janela tem essa capacidade, a de emoldurar um sentido, atribuindo significado à abertura na construção, imaginando um escape ficcional ao plano opaco. Abre o campo visual e na cultura popular é mesmo palco de conversa e namoradeira. Daquela janela, sobretudo no lusco-fusco, o som e a fúria dos materiais é visual e audível (1).

UM~BRAL é um projeto transitório, sem curadoria contínua, atento a espaços não convencionais, reativando outros e novos discursos. UM~BRAL #1 inaugurou-se na apresentação do Volume IV – Colonialismo, na comemoração dos 20 anos da Revista Umbigo e pode ser visitado na vitrina do Teatro da Garagem até dia 30 de janeiro, ficando alojada a peça virtual no domínio até dia 24 de julho.

 

 

 

(1) Em jeito de nota de rodapé, sublinhando no texto curatorial que “seremos sempre beginners, começamos, começando”, ocorre-me acrescentar, no mês que se comemora a efeméride do nascimento e desaparecimento de David Bowie, um dos versos da canção “Sound and Vision” : “Don’t you wonder sometimes /About sound and vision?”

BIOGRAFIA
Arquiteto (FA-UL, 2014) e curador independente (pós-graduado na FCSH-UNL, 2021). Em 2018 funda o coletivo de curadoria Sul e Sueste, plataforma charneira entre arte e arquitetura; território e paisagem. Enquanto curador tem colaborado regularmente com algumas instituições, municípios e espaços independentes, de que se destaca "Espaço, Tempo, Matéria" (exposição coletiva no Convento Madre Deus da Verderena, Barreiro, 2020), "How to find the centre of a circle" com a artista Emma Hornsby (INSTITUTO, 2019) e "Fleeting Carpets and Other Symbiotic Objects" com o artista Tiago Rocha Costa (A.M.A.C., 2020). Foi recentemente co-curador, com a arquiteta Ana Paisano, da exposição "Cartografia do horizonte: do Território aos Lugares" para o Museu da Cidade, em Almada (2023). Escreve regularmente críticas e ensaios para revistas, edições, livros e exposições. É co-autor do livro "Gaio-Rosário: leitura do lugar" (CM Moita, 2020), "À soleira do infinito. Cacela velha: arquitectura, paisagem, significado" (edição de autor com o apoio da Direção Regional da Cultural do Algarve, 2023) e de "Geografias Urbanas" (em publicação). A atividade profissional orbita em torno das várias ramificações da arquitetura.
PUBLICIDADE
Anterior
article
Prémio Novos Artistas Fundação EDP no MAAT
17 Jan 2023
Prémio Novos Artistas Fundação EDP no MAAT
Por Joana Duarte
Próximo
article
Não existem imagens fixas – Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira
19 Jan 2023
Não existem imagens fixas – Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira
Por Tiago Leonardo