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Vozes da Paisagem na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto
DATA
09 Jan 2024
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AUTOR
Mafalda Teixeira
Em exibição no Pavilhão de Exposições da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, a exposição Vozes da Paisagem enquadra-se no projeto investigativo El paisaje que habla. Marco teórico y referencias culturales interdisciplinares. México, Portugal y España como escenarios, que pretende fornecer novos conhecimentos e abordagens ligadas à análise da concepção atual e representação histórica da paisagem na contemporaneidade.

Em exibição no Pavilhão de Exposições da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, a exposição Vozes da Paisagem enquadra-se no projeto investigativo El paisaje que habla. Marco teórico y referencias culturales interdisciplinares. México, Portugal y España como escenarios, que pretende fornecer novos conhecimentos e abordagens ligadas à análise da concepção atual e representação histórica da paisagem na contemporaneidade. Resultante de estudos derivados da interpretação histórico-artística da paisagem, a partir das disciplinas de história da arte e história da arquitetura, a mostra reúne um conjunto de metodologias e propostas humanísticas no campo da arte contemporânea, arquitetura, musicologia, memória histórica e património cultural em trabalhos de naturezas diversas, de artistas e investigadores que pensam a paisagem e o território numa perspetiva de diálogo e colaboração. Com organização de Pedro Maia, professor associado e docente da Universidade Lusófona e investigador integrado e membro da Comissão Científica do Arq.ID (UL), e Joan Carles Oliver, investigador e professor na Universidad de las Islas Baleares, a exposição, a terceira do projeto de investigação, foi pensada como uma Kunstkammer, integrando “artefactos de carácter objetual, científico, artístico e híbrido estabelecendo diálogos multiculturais e interdisciplinares em torno da ideia de paisagem. Inspirada no seu conceito e montagem pela ideia de Atlas de Warburg e pelos gabinetes de curiosidades, Vozes da Paisagem apresenta-nos obras cuja seleção nos impele à análise dos significados, dos códigos e dos signos nelas contidos, numa conexão entre culturas, autores e áreas de investigação diversas que dialogam no mesmo espaço.

Os trabalhos em exibição oferecem-nos uma visão caleidoscópica e panorâmica vinculada à concepção contemporânea de paisagem, conceito que em processo de crise conceptual e de transformação se consolida e expressa no âmbito da representação artística. Urbanização, terceira paisagem, urbanismo sem lugar ou paisagens compartidas, termos latentes no âmbito académico, encontram expressão no domínio da criação artística refletindo-se em muitas das obras da exposição. A este propósito destacamos os projetos fotográficos Aphanismos de Artur Leão, Oblíquo de Ana Miriam e East Iberia de Sérgio Rolando que dialogam, por um lado com configurações de paisagens presentes no imaginário coletivo português e a valorização dos seus espaços informais, bem como com os resquícios de uma arquitetura e território condicionado por uma herança soviética ou mesmo com paisagens rurais em que a inclusão de espaços de ritual pré-histórico alimenta um retrato ficcional das tradições e costumes dos antepassados na Península Ibérica. A relação entre som, espaço e corpo é explorada por Ricardo Nogueira Fernandes na instalação 500Hz, já a relação entre o corpo e a mente é analisada por Rita Castro Neves e Daniel Moreira na instalação Musgo, que explora a ideia de pensar com as mãos e sentir com o cérebro e visão. Evocando a imagem histórica de um visor estereoscópico, a estrutura em madeira – criada pela dupla de artistas – destaca-se enquanto máquina de mostrar imagens, revelando-nos possibilidades de percecionar a paisagem através da exploração conceptual sobre o sensorial.

Analisando a relação do natural com o artificial, Rita Carreiro apropria-se da paisagem açoriana em Insularidade, recriando-a como objeto colecionável num trabalho que, como gabinete de curiosidade, nos revela o negrume de formas lapidais e rochosas sobre espelhos, cujos reflexos multiplicam ilustrações da paisagem. A relação entre homem, natureza e mar é igualmente explorada por Maria Oliveira na imagem fotográfica e onírica De Vagar o Mar que, resultante de uma residência na Figueira da Foz, cria uma passagem metafórica para o mundo antigo e pré-humano nas salinas, reconhecendo o potencial natural e cultural deste território.

Potenciando a reflexão e discussão sobre a condição contemporânea da cidade, através da criação de situações expositivas conscientes do território em que se inserem, o Coletivo LAB.25 apresenta-nos Promenade enquanto projeto de arqueologia urbana: um fragmento de ruína e registos videográficos, aplicados sobre objetos de construção civil. Em constante produção, Promenade procura novas formas de relação com o espaço público da cidade através da ativação e deambulação da ruína pelas ruas do Porto, a qual proveniente da demolição da Torre da FBAUP, regressa agora de forma simbólica à faculdade, criando um novo discurso e resignificando a experiência do lugar. Através de um mapeamento político, social e emocional do bairro do Bonfim, a dupla de artistas Pedra no Rim apresenta-nos objetos abandonados e inusitados das ruas da freguesia, que, cartografados, se materializam em objetos cerâmicos. De sapatos, fósforos e luvas perdidas, a pombos atacados por gaivotas, a instalação – entre o belo e o grotesco – reproduz um atlas de memórias e mitologias urbanas, vivências e vícios locais, numa obra que nos convida a olhar para o chão.

De cariz político destacamos Os Países Distantes são Maravilhosos de Claúdia Amandi, cujo desenho a grafite de diferentes intensidades de tom – que repete a frase retirada do conto de Sophia de Mello Breyner Andresen A Fada Oriana – cria uma sensação de desajuste ótico, complementada com a projeção de imagens na parede: as primeiras fotografias de satélite de atividade militar russa na fronteira com Ucrânia em 2022, numa obra sobre o que cada um faz da paisagem/ território que lhe é estrangeiro e que nos relembra que nenhuma categoria é fixa nem no tempo, nem no espaço, nem na palavra. Suspensa na sala de exposições, Crime Clandestino#1 de Gabriela Vaz Pinheiro, impõem-nos a sua presença apocalíptica revelando-nos a paisagem silenciosa de uma floresta devastada pelo fogo, numa instalação que denuncia crimes ambientais, em que a leveza e duplicidade da transparência do tecido da imagem impressa reforçam o caráter frágil do património florestal. A pele enquanto lugar e a reflexão sobre a passagem do tempo são-nos reveladas em Um caminho que percorro uma pele habitada de Mariana Maia Rocha, obra que recorrendo ao látex enquanto medium nos revela imagens e relevos resultantes do contacto com as superfícies, o contacto com o real que produz marcas e traduz lugares.

Aos artefactos de caráter objetual, artístico e híbrido em exibição destacamos a presença de estudos de âmbito internacional em torno do território. O caráter intimista do núcleo, proporcionado pela cenografia, acentua um ambiente de estudo e de trabalho, em que mesas cuidadosamente dispostas no espaço, exibem uma série de pósteres científicos revelando-nos um verdadeiro espólio documental e fotográfico, de entre os quais destacamos os seguintes estudos: Experiencias del paisaje: Representación audiovisual, de M. Bel Riera; La Ciudad Collage, de Francisco Mota; Paisatge I Silenci, de Miquel Frontera Serra; Lugares da paisagem: ruína e experiência do tempodesenho, de Vítor Silva; En torno a los paisajes culturales: San JuanArgentina, de Marina Inés de la Torre; Paisaje explotación, Las Kellys-Laura Marte; The other in the same, de Erik Smith; Paisaje sociales mexicanos: el lugar como contenedor de modernidade, de David Navarrete Escobedo.

Num diálogo constante entre arte e ciência, a exposição Vozes da Paisagem apresenta-nos um universo conceptual, estético e visual no qual predominam a variedade de médiuns e diversidade de vozes artísticas. Qual Gabinete de Curiosidades, evento que remonta ao Renascimento e se formaliza enquanto lugar de maravilhamento onde se exibiam coleções de objeto raros, singulares e exóticos, a exposição dá-nos a conhecer na atualidade a representação da paisagem – visual, sonora, literária, oral, patrimonial, virtual – através de uma linguagem interdisciplinar que abarca fenómenos históricos, culturais e artísticos.

Vozes da Paisagem está patente no Pavilhão de Exposições da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto até 3 de fevereiro de 2024.

BIOGRAFIA
Mafalda Teixeira mestre em História de Arte, Património e Cultura Visual pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, estagiou e trabalhou no departamento de Exposições Temporárias do Museu d'Art Contemporani de Barcelona. Durante o mestrado realiza um estágio curricular na área de produção da Galeria Municipal do Porto. Atualmente dedica-se à investigação no âmbito da História da Arte Moderna e Contemporânea, e à publicação de artigos científicos.
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